O Natal é um período que surta com o meu cérebro. Eu viro a pessoa mais consumista do mundo (espírito natalino morreu faz tempo, é época de dar e receber... presentes). Eu quero comprar tanta coisa que até agora não entendo como eu ainda não cai na real e me lembrei que eu não passo de um funcionário público badeko que ganha uma mixaria e que não pode mais pedir dinheiro pra mamãe porque ela acha que agora que eu trabalho eu posso comprar tudo o que eu quero. Eu mal consigo comprar meus passes de ônibus. Família é dose, eles dizem que tão pra tudo que a gente precisar e no fim das contas no primeiro emprego que a gente arranja, eles só não nos chutam pra fora de casa porque ajudamos com as contas (mentira, só pago a internet porque é quase só eu que uso. É, eu gosto de fazer drama).
Enfim, eu já quis de quase de tudo nesse Natal. Comecei com o meu desejo enorme de ter meu notebook fodaço que roda-se Windows Vista e tivesse Wi-fii, pra que em aeroportos internacionais eu me sentisse o cara. Acho tão chic esse povo cool que usa notebook no aeroporto (políticos e homens barrigudos de negócios não contam). Mas, esse é o Desejo-de-Natal-Escorrendo-Pelo-Ralo Nº1. Depois eu quis um Nintendo Wii, pra brincar de Star Wars fingindo que o controle é um sabre de luz e correndo todos os riscos de na empolgação joga-lo na TV e ver a caixinha mágica quebrar e pegar fogo. Mas o bixo acabou no mundo inteiro (é, de primeira eu também não tinha acredito na notícia não). Logo, Desejo-de-Natal-Escorrendo-Pelo-Ralo Nº2. Para ser mais singelo, resolvi pedir um Playstation 2. quando fiz o pedido no café da manhã, sorrindo mais que um retardado, minha avó só pousou a xícara na mesa, me deu um olhar frio e mortal e disse “Um vídeo-game?”, eu suei frio, abaixei a cabeça e fiquei reparando em como o café é amargo. Desejo-de-Natal-Escorrendo-Pelo-Ralo Nº3.
Porém, de todos as pré-frustrações natalinas que ando sofrendo, o Desejo-de-Natal-Escorrendo Pelo-Ralo Nº4 foi a pior de todas. Por vários aspectos, não só porque eu não vou ter o que quero, mas porque por um momento eu me resumi a uma pessoa fútil, mesquinha, estilo Paris Hilton e o pior é que nem me arrependo tanto. Apresento-lhes o Caso do Ligth Blue Boliviano. Eu nunca fui vidrado em perfumes, mas existe um em especial, que além de eu considerar a melhor mistura de essências já feita por um viado, opa, quer dizer, um homem, mexe com meu sistema olfativo e bate no meu cérebro causando um efeito perturbador e bastante “despertante” [ui!].
E Samuelzinho, louco pra ter esse perfume, o que faz? Vai pra outro país. Isso mesmo, fui a Bolívia com a missão de encontrar um Light Blue. Diga-se de passagem, um país que esta quase enfrentando uma guerra civil, onde o povo ta tocando fogo na rua e o presidente ta se coçando pra mandar o exército matar pobre no balde. Depois de duas horas rodando e esperando compras de material eletrônico alheio, eu finalmente pude correr atrás do meu tão sonhado perfume. E qual foi minha grande surpresa quando na primeira loja que entro lá esta ele , lindo, esbelto, preso no vidro e dizendo “Me compre, porque eu te amo”. Me achei tão sortudo. Gritei pelo vendedor, ele apareceu todo com cara de nojo. Perguntei quanto era, ele calculou o preço em dólar e o numero q veio fez meus olhos brilharem, esquecendo a figura depressiva daquele boliviano de chapéu de palha na minha frente. R$115 por um Light Blue de 125ml. No Brasil ele ta R$360 por 100ml.
Sem pensar duas vezes e esquecendo até mesmo de barganhar com o boliviano, saquei a carteira e disse “vou levar”, o boliviano tirou o perfume do vidro e eu disse “cartão internacional em dólar, ok?”. E ele “non”. Eu pasmado disse “como assim patrício?”. Ele com cara de nojinho (embora tenha certeza caro leitor que eu estava com muito mais nojo dele) “Non em dólar, só peso ou real”. Mentalmente eu penso “Tomou no cu, não vou negociar meu cartão numa moeda que eu não sei o valor oficial”. Maliciosamente e querendo vingança eu apontei o Light Blue e em seguida voltei pro vidro “Pode guardar de volta então”. O ódio do olhar dele foi mortal, mas o meu também. Quase dava pra ver os raios se cruzando.Tinha meia hora até todas as lojas da Bolívia fecharem. Mas eu não estava triste, pelo contrário, logo compraria meu Light Blue em outra loja.
Mas não tinha. Em canto nenhum. Em loja nenhuma. Na Bolívia inteira, nada de Light Blue. Eu estava com vontade de gritar, de morrer. Onde estava aquele perfume? Engoli o orgulho e voltei com o rabo entre as pernas para o boliviano maldito. Quando entrei na loja ele me deu um olhar do tipo, “oh não, ele de novo”. Apontei para o Light Blue e disse “Vou levar, cartão, em real”. E ele com um suspiro de entediado “Só em peso”. Eu, voltando ao olhar de ódio, “Real”, e ele com cara de puto, “Peso”. Abri minha carteira. Por um momento achei que uma mosca sairia voando de lá, só havia R$50. Olhei para o boliviano e tive que me segurar para não mandar ele tomar no cu.
Sai em silêncio e deixei o último Light Blue de toda a Bolívia para trás. Se Evo Morales invadisse Cobija com seu exército naquele momento eu apontaria para a loja que estava e dizia “Aqui companheiro, temos um comunista aqui. Mata. Mata esse hijo de una putana”. Porque a história mostra que todo governante ditador mata primeiro os comunistas. Não me levem a mal, mas eu levei horas de carro até outro país, tive que aguentar aquela cidade sem muita higiene, com aquele povo nada bonito (e visivelmente sem muita higiene também), para no fim das contas não levar o que eu queria? O mínimo que eu poderia era desejar ele morto, enterrado e com a loja falindo.
Enfim, meu Natal já começou mal. Já não basta que ele não vai ser grande coisa mesmo. To revoltado. Acho que vou gastar minha fortuna de décimo terceiro em doses de Blue Label. Hum, pensando bem, com 50 pilas, eu posso comprar ¾ de uma dose de Blue Label. Acho que não rola. Vamos beber cerveja, que o efeito é quase o mesmo.