terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Os 10 melhores filmes de 2014 que você NÃO assistiu



A lista desse ano deveria na verdade se chamar “os 10 melhores filmes que eu assisti em 2014 e você não”, porque sendo bem sincero, tem obras datadas de lançamento em 2013, 2012 e... 2011. Para os de 2012 e 2013 eu tenho até a desculpa de que no Brasil eles estiveram disponíveis apenas este ano para apreciação fora de circuitos (acreditem, não é fácil encontrar alguns filmes na internet e você precisa de paciência de Jedi pra ter uma boa cópia legendada). Já esse de 2011 foi resultado de notável lapso por ele ser bem desconhecido mesmo. 

Esse ano temos países estreantes na lista como Austrália, Grécia, Marrocos (é, naveguei pelos árabes) e Holanda. Mas não deu outra, mais uma vez os japoneses ficaram no pódio (e olha que nem teve Evangelion em 2014). 

Embora a lista tenha esse nome, você possivelmente pode ter assistido alguns. É apenas uma brincadeira para falar sobre filmes não tão comerciais de destaque e obras que merecem ser vistas, mas não tiveram lá tanto marketing. Ademais, espero que apreciem, curtam, critiquem e compartilhem. A lista dá um trabalhão pra fazer, mas um prazer enorme. 

10° lugar: O Babadook (The Babadook – Austrália) 

Película presente em diversos festivais de terror e com estreia em circuito restrito no Brasil, The Babadook é notavelmente um filme de pouco orçamento, mas feito com muita boa vontade. Na trama, Amalie leva uma vida problemática ao lado do filho hiperativo Samuel. É mais difícil para ela porque o filho é “responsável” pela morte do marido num acidente de carro enquanto ele a levava para dar a luz. A princípio parece clichê: ao ler um livro para o filho, Amalie se vê envolvida num terror psicológico em que não sabe definir se esta enlouquecendo ou se a entidade Babadook é real. E esse jogo que vai para o espectador é a melhor parte, porque o filme se torna imprevisível e prende a atenção para sabermos o que realmente está acontecendo. Esse terror é real afinal de contas? Destaque para a atuação do jovem Noah Wiseman, que é natural e nada forçada. 

9° lugar: O Garoto que Comia Alpiste (To agori troei to fagito tou pouliou – Grécia)

Filme altamente introspectivo, O Garoto que Comia Alpiste é uma autocrítica a um país que está à beira da falência apresentada através da vida do jovem Yorgos, que funciona como uma alegoria da crise financeira de toda a Europa. Yorgos é uma das facetas da depressão. Desempregado, sem família, amigos ou amores, está completamente fora de círculos sociais. Ele se alimenta do lixo dos outros e aos poucos vamos observando ele perder o pouco que ainda tem. O filme é quase um monólogo, são cerca de apenas 15 diálogos, não é para um grande público, mas é brilhante. A atuação assombrosa de seu protagonista causa uma imersão na catástrofe que é sua vida pessoal, que não possui nem mesmo uma perspectiva de melhora, nem meramente a de sobrevivência. É um filme que retrata a absoluta miséria e a falta de esperança em uma geração inteira de jovens europeus.

8° lugar: O Teorema Zero (The Zero Theorem – EUA) 

Ficção científica capaz de dar um nó no cérebro, O Teorema Zero, filme do mesmo diretor de Os 12 Macacos, não é para nos conectar com o presente (como a maioria das ficções científicas), mas com a religião. Qohen Leth é um operário modelo da Mancom, corporação que "dá sentido às coisas boas da vida". Mas Qohen vive atormentado à espera do Chamado, um telefonema que supostamente lhe dirá o sentido de SUA vida. Procurado pelo Comando da Mancom para desvendar o projeto Teorema Zero, o programador recebe, em troca, a promessa de ter seus dilemas existenciais respondidos. Mais que uma crítica genial a busca desenfreada pela felicidade plena e a infelicidade que isso gera no caminho, a distopia tem um trabalho de direção de arte e metáforas bizarras. Afinal, é um futuro, mas no trabalho se usam joysticks de Atari, o fruto proibido do paraíso é na verdade Mélanie Thierry com roupas bem justinhas e Deus nos vigia através de câmeras GoPro.

7° lugar: Coldwater (EUA)

Há poucas informações disponíveis acerca do filme Coldwater. O que se sabe é que a primeira versão do roteiro data de 1999, quando o roteirista Vincent Grashaw terminava o ensino médio. Talvez seja por isso que num primeiro olhar a ideia do acampamento de detenção para jovens problemáticos seja difícil de ser aceita hoje, mas era bem mais comum há pouco mais de uma década nos EUA. No filme, após uma série de eventos trágicos, o jovem Brad é internado pelos próprios pais em uma espécie de prisão juvenil isolada da civilização, chamada Coldwater. No local, ele sofre diversas agressões dos colegas e dos responsáveis pela direção, e começa a planejar a sua fuga. O filme parece fraco até que a fuga em si acontece e Brad fracassa, depois a obra toma um novo rumo quando Brad se vê fazendo parte do sistema que ele tanto quis estar longe. Coldwater é sobre jogos psicológicos, sobre situações de bater ou apanhar, sobreviver ou morrer. É sobre situações extremistas em que é impossível estar em cima do muro e a decisão certa é essencial, mesmo que ela não seja levada pela racionalidade. Com um final surpreendente, o filme é um pequeno achado acerca de como afinal devemos tratar os jovens que a própria sociedade torna em monstros para depois rejeitar. 

6° lugar: Rock the Casbah (Marrocos)

Quem conhece meu gosto cinematográfico sabe que eu adoro dramalhões familiares. Rock the Casbah não é exatamente o melhor deles. Aliás, é uma comédia agridoce bastante clichezenta, mas com um diferencial incontestável: mostra uma ponte de conflitos entre a tradicional cultura árabe e o processo de ocidentalização que países mais “liberais” como o Marrocos andam sofrendo. É uma mistureba doida: um filho contestador; a avó boazinha que apoia o rebelde; os pobres em confronto com os ricos; o filho bastardo; e até a velha história do irmão que se relaciona com uma mulher sem saber que, na verdade, ela é a sua própria irmã. Tudo isso acontecendo ao mesmo tempo devido a morte do patriarca da família, que obrigou a reunião de todos os seus parentes, inclusive a filha que foi embora para os EUA e que sofre tentando ser atriz, só conseguindo papéis de terrorista (e é dela a perspectiva que temos). Fotografia e cenografia bonitas. Música bem escolhida. Durante um passeio com um velho Mustang admirando a cidade, toca uma música brasileira. Rock the Casbah tem pequenos momentos deliciosos para admirar um mundo que não é o nosso. Peca imensamente em tentar nos fazer rir e chorar ao mesmo tempo. Não consegue. Mas ainda assim nos deixa exatamente no meio da ponte. 

5° lugar: O Pacto (Horns – EUA)

Primeira adaptação de um livro de Joe Hill, O Pacto não é um filme excelente, caindo nos velhos problemas de adaptações, mas tem uma ideia original e sensacional. O filme narra a história de Ig Perrish, que vivia feliz com a namorada, até ela ser morta e ele ser considerado o único suspeito. Determinado, Ig fará de tudo para saber quem é o verdadeiro assassino, até mesmo usar seu belo par de chifres que nasceu DO NADA em sua cabeça após, revoltado, mijar numa santa, lhe dando incríveis poderes de persuasão e controle. Na verdade os chifres são capazes de fazer com que pessoa fale a verdade e é daí que vem os melhores atos do filme, ao mesmo tempo que pensamos: “Jesus, não existe ninguém que não seja desprezível nessa cidade?”. Eu não sei se ia querer aqueles chifres. Ainda assim, o diretor não soube usar a temática ao seu favor, transformando o filme inteiro em uma investigação no começo confusa, depois previsível e com soluções fáceis. Ainda assim foi a melhor atuação do Daniel Radcliffe.

4° lugar: Garotos (Jongens – Holanda)

Quando me perguntaram por que eu achei o brasileiro Hoje Eu Quero Voltar Sozinho mais ou menos, a resposta é Jongens. Não gosto de criticar tendo que comparar, mas seguindo a temática da autodescoberta, a verdade é que o holandês é muito mais cativante que o brazuca. Temos a história de Sieger, um garoto de 15 anos que descobre o amor durante os intensos treinos de atletismo. Ele entra para o time de corrida, quando conhece o intrigante e imprevisível Marc. A amizade que se desenvolve não parece nada fora do comum, mas Sieger secretamente tem sentimentos mais fortes para Marc. Ele se envolve numa luta solitária, quando descobre que Marc também é apaixonado por ele e a rejeição aos próprios sentimentos aos poucos precisa ser superada (aliás, o Marc sabe muito bem o que quer e acaba levando a pior por se apaixonar por um Sieger confuso, mas ainda assim segue determinado). É só isso mesmo, simples, mas muito tocante, principalmente pela atuação bastante intensa dos garotos em si. O filme não se passa na cidade grande, mas sim no campo, o que gera um diferencial pelas belas paisagens e takes envolventes, ao mesmo tempo que sabemos que a diversidade sexual é uma coisa que nunca funciona muito bem fora dos grandes centros. 

3° lugar: Vidas ao Vento (Kaze Tachinu – Japão)

É difícil imaginar que o mestre da magia e fantasia japonesa, Hayao Miyazaki, que produziu A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado, tenha feito Vidas ao Vento, que mesmo sendo uma animação é um filme absurdamente adulto, romântico, mas acima de tudo, poético. Aqui temos a cinebiografia de Jiro Horikoshi, o designer que criou o famoso avião de combate japonês Mitsubishi A6M Zero, um dos mais mortíferos usados na Segunda Guerra Mundial, o que devastou Pearl Habor. E não se engane, Jiro criou um monstro, mas ele não era um monstro. Apaixonado pela aviação desde criança, ele foi responsável por tirar o Japão de um atraso de 20 anos no setor, mas o filme não foca essencialmente nisso, é sim uma fábula sobre superação, aceitação e acreditar no amor pleno, quando ao conhecer a mulher de sua vida, Jiro vive o dilema de que ela terá uma morte eminente. Tudo nesse filme é belíssimo e o resultado final é o mesmo de qualquer filme de Hayao: arrebatador.

2° lugar: Romeos (Alemanha)

Poucos filmes foram capazes de abordar o transexualismo de uma maneira tão leve e direta. A priori, é necessário entender que identidade de gênero não é a mesma coisa que identidade sexual. E Romeos vai na ferida do que é entender essa diferença. Lukas tem 20 anos e encontra-se na fase de mudanças bioquimicamente induzidas do feminino para o masculino – Lukas é um garoto trans –, mas os problemas começam quando no serviço cívico obrigatório ele tem que ficar no alojamento das meninas. E isso o filme retrata bem: ser transexual significa estar sempre preso no ambiente social errado. Para uma vida mais confusa, Lukas é apresentado pela amiga Ine ao gay atrevido, valente e muito atraente Fabio, por quem se apaixona. O filme tem apenas 94 minutos e é recheado de pequenas pérolas ousadas, como ver Lukas masculinizado, mas ainda com os seios fartos, ou quando ele ouve de Ine “Se era pra você se interessar por um rapaz, não precisava virar um”. Romeos propõe um olhar invulgar sobre o tema dos trans, e com humor e alguma ousadia procura quebrar convenções estabelecidas sobre estes indivíduos.

1° lugar: Lesson Of The Evil (Aku no kyôten – Japão)

Quando o assunto é filmes de chacinas, violência que só parece gratuita e vingança, o Japão definitivamente está anos luz a frente do resto do mundo. Lesson of the Evil é um desses exemplos simplesmente sensacionais. Na trama, Hasumi é o professor mais popular da escola, faz sucesso entre os alunos com sua maneira de lidar com as situações adversas, conquistando a confiança inclusive da maioria do corpo docente. No desenrolar da trama, vamos conhecendo a fundo Hasumi e suas reais intenções: a cada ato nobre do professor, existe um interesse obscuro. Suas ações acabam por despertar a desconfiança de um professor de física e alguns alunos, porém Hasumi não hesitará em tirar do caminho quem ousar atrapalhar seu “plano”. É um filme diabólico, que pega um psicopata como protagonista e o eleva ao máximo do que pode ser “tirado” de um. E embora tenha um número gigantesco de personagens, todos são muito bem aproveitados na medida do possível. Para quem gosta de violência gráfica sem censura, o filme é um prato cheio. E os toques de humor negro e ironia presentes na obra são pra encher os olhos de quem gosta de contar esse tipo de situação. O ato final de Lesson Of The Evil, quando o professor coloca seu real plano em prática é longo, sensacional e para os fãs do gênero, não desperta o desejo por acabar. Na verdade o filme é poderoso por gerar um sentimento dúbio: Esse não é um daqueles filmes de terror adolescente em que queremos os jovens mortos pela falta de empatia, ao mesmo tempo que queremos saber o que realmente vai acontecer alí e para isso é necessário que o plano se concretize. O diretor, Takashi Miike, definitivamente está escrevendo seu nome na história do cinema.