terça-feira, 28 de setembro de 2010

Quem quer ser o imperador do efêmero?


No filme acelerado da história moderna, dentre todos os roteiros, o da moda é o menos pior
Gilles Lipovetsky

Aí estava eu saindo do trabalho quando não mais que de repente, no cruzamento do sinal, dô de cara com um mulek saindo da escola usando um boné Von Dutch metade tela, virado pra trás. E aí eu penso, “o horror, Deus, o horror”. Saco imediatamente meu iPhone do bolso e twitto na hora: “Péra aí, ainda tem gente que usa boné Vun Dutch? Que sociedade é essa, Jesus?”. Ok, vamos fazer uma pequena referência pra você não se perder já no comecinho, bonés Von Dutch eram uma modinha em 2005/2006 principalmente nas baladas cariocas. A bosta do boné ficou tão famosa que todo mundo queria um e a Revista Época fez uma matéria de 4 páginas sobre as baladas de boné brega que custavam em média R$100.

Imediatamente eu recebi algumas respostas bem irritadas de alguns seguidores, pessoas que tinham o diabo do boné enfiados em algum lugar do armário e se recusavam a aceitar que os Von Ducthcs papagaiados não era mais tolerantes. De fato, comecei a me questionar. Eu havia visto o boné num garoto bem meia boca, sem nenhum sentido do que a palavra estilo poderia significar, mas e se eu tivesse visto ele na cabeça de Prince Pelayo ou do Juan Cocco? Bem, talvez eu até desejasse comprar um. E é sobre isso que eu quero falar com vocês.

De todos os males que a humanidade criou para si mesmo, o conceito de moda na sociedade contemporânea é considerado um dos mais terríveis por muitos. Principalmente os estudantes de Ciências Sociais, História e os ativistas do PETA... Whatever, por que esse ódio todo? Simples, por causa do conceito de ícones.

Eu não vou entrar no conceito de moda, importância, influências e a casa do caralho... vamos pra parte bacana, ícones. O ícone é aquilo que inspira, que te desperta o desejo de ter, e não corresponde exclusivamente a uma pessoa, mas qualquer elemento que inspire um padrão. Alguns são eternos, mas estudá-los sobre a visão de moda é que levanta um certo fascínio por uma única questão, eles estão sempre mudando, eles são completamente mutáveis. E o que está no topo hoje pode não significar mais nada amanhã. E é ai que entra os meus queridinhos Pelayo, Juan Coco, Gala Gonzales e uma surpresinha que eu vou falar só mais pra frente nesse texto.

Para ser um ícone da moda, antes você precisava ser alçado pelo próprio. São as famosas histórias de modelo que dá pro agente, pro estilista, tem que se vender, aparecer, ser visto. Hoje já não é tanto assim, você pode simplesmente se criar, se tornar um conceito. É fácil? Claro que não, vai ter um mundo inteiro tentando te destruir, mas obviamente alguns conseguiram e agora estão no topo. Saíram do nada e se tornaram príncipes, saem em revistas, pagam de modelos, são convidados para a primeira fila de desfiles, ganham um reino de seguidores e principalmente... passam a fazer parte de uma das cortes mais desejadas do mundo, a do Império do Efêmero.

Prince Pelayo, como resolveu se entitular, é um jovem londrino estudante de moda da Central St Martins School. Estilista, o jovem fez um dos figurinos da Rihanna em Hard. Mas grande coisa, pois o que transformou Pelayo num ícone da moda masculina moderna foi seu mundialmente conhecido blog, o Kate Loves Me. Mais do que conhecido, Pelayo saltou para um nível nunca antes imaginado, uma celebridade dentro de um mundo formado quase que exclusivamente por celebridades.


Recentemente, Pelayo conquistou nada mais, nada menos que 8 páginas na revista Elle da Turquia, com Julia Roberts na capa. As marcas o procuram, imploram para que ele use suas roupas. Os convites para desfiles exclusivos pipocam e mais importante que tudo isso, ele criou uma rede de jovens contatos do mundo moda que estão ai, prontos para mudar as regras do jogo (mesmo que por tempo determinado) e tomar as rédeas desse império no futuro, ditando as influências. Se hoje eu tenho como um sonho de consumo camisetas sociais com figuras de Rorschach do Alexander McQueen, é tudo por culpa do Pelayo.

Obviamente Prince não é o único, sua melhor amiga, a estonteante Gala Gonzales (na foto acima) só pode ser definida numa frase de um amigo: “Essa mulher é a cara da riqueza”. Gonzales é o equivalente de Pelayo como mulher, ainda mais poderosa sem dúvida, pelo fato da moda ainda valorizar bem mais o feminino do que o masculino. Gala é uma moça bonita, de bom gosto e requinte. Até aí tudo bem, então ela resolveu colocar tudo isso num blog, o Inside Am-Lul's Closet. Ganhou fãs, dinheiro, fama, se tornou ícone fashion e diretora de arte da empresa de seu tio. Ok, empresa do tio. Mas a sorte quem teve foi o tio dela. A mulher percorre o mundo e se tornou aquilo que na moda todos desejam ser, uma referência.

A profissão de blogueiros de moda cresceu tanto que até mesmo quem é parcialmente de fora do ramo tem se arriscado e se dado bem, como o espanhol Juan Cocco, de 20 anos, estudante de economia e direito, que em seu blog divide avaliações de moda e fotos extremamente artísticas e inspiradoras de sua vida pessoal, numa mistura de vanguarda e tendências contemporâneas.

Então, porque os chamados wardrobe remix blogs fazem tanto sucesso na atualidade? Fácil, existe uma aproximação com o público, não existe mais aquela muralha que separava os fãs da moda daquilo que era visto nas passarelas, como se o que estivesse lá devesse ser intocável e não utilizável. Eu vestiria (quase) TODAS as roupas de Pelayo e Juan. E a sutiliza, elegância e delicadeza de Gala Gonzales caem bem em qualquer garota descolada, moderna, sem parecer exagerada. Eles se tornaram mais que ícones, se tornaram referências, e o mercado esta absorvendo isso, porque referências aquilo que movimenta a moda.

A profissão/hobby de blogueiro de moda é uma das que mais vem se destacando no atual momento das redes sociais. Mas não é muito fácil. Você já imaginou uma blogueira de moda do Acre, por exemplo? Mas ela existe sim, e se duvidar possui a página mais visualizada do estado, embora não pelas próprias pessoas de sua cidade. Essa é Clara, dona do Zebra Trash, que segue a mesma linha dos outros wardrobe remix blogs. A garota que se intitula fã de moda, literatura, arquitetura e chocolate tem uma página bastante estilosa e já conquistou espaço em jornais e programas de TV.

Mas minha primeira lembrança com relação a Clara é quando ela foi citada no blog da Revista Capricho, As + Estilosas. Nos mais de 350 comentários Clara sofreu cyberbulling em muitos deles. Por quê? Talvez por ser do Acre, por ter um estilo que tenha que se adaptar a terras muito quentes, não as pradarias européias. As pessoas também gostam de valorizar aquilo que consideram superior a elas, não inferior. Na moda então, esse argumento fica ainda mais forte. Alguém aí ainda se lembra do episódio do Von Dutch? Pois é...

O francês Gilles Lipovetsky escreveu o ótimo livro (científico acadêmico, vale ressaltar), O Império do Efêmero. Nele, ele defende alguns pontos de vista interessantes, como a moda na construção da identidade, e a necessidade de expor e compartilhar essa identidade. E se você é mais um daqueles que odeia a moda por considerá-la ditadora, Lipovetsky defende exatamente o contrário, a moda possuindo um caráter libertário, um anúncio da democracia, mesmo num mar de elementos frívolos e efêmeros.

Sim, a moda é um império, que faz parte presencial na vida de todos do mundo ocidental e das sociedades modernas. Vale então a pena se sujeitar aos mandos e desmandos dessa corte por um destaque a mais nesse espaço? Ao que parece, a resposta é: sim!