quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Os 10 melhores filmes de 2009 que você NÃO assistiu

Esse definitivamente não foi o ano do cinema. Marcado por superproduções e um marketing excessivo para cada uma, necessário para contornar a crise do setor, a falta de prestígio do cinema como arte chegou ao cinema alternativo também. Até mesmo grandes promessas do “cinema independente/alternativo/cult”, como o novo filme de Pedro Almodóvar, e a produção brasileira Do Começo ao Fim, decepcionaram a crítica especializada e fecharam um ano em que as produções menos conhecidas do cinema tiveram pouca voz.

Ainda assim, o Fala Consciência apresenta a mais aguardada das listas desse blog (pelo menos da pessoa que aqui lhes escreve), os 10 melhores filmes de 2009 que você NÃO assistiu, uma maneira diferente de divulgar filmes fora dos grandes circuitos e pouco conhecidos do grande público. Confira, opine, critique e quem sabe coloque na sua lista de downloads para 2010.

Obs: nem todos os filmes citados foram produzidos e lançados em seus países de origem em 2009, mas a repercussão internacional e principalmente dentro do Brasil, foi esse ano.

10º Lugar: La Belle Personne (A Bela Junie)
O último filme de Christophe Honoré estreou categoricamente no Brasil no começo de 2009. É difícil comparar La Belle Personne aos trabalhos memoráveis do diretor francês de Em Paris e As Canções de Amor, porque La Belle Personne mostra acima de tudo o que aconteceu com os amores de Christophe, eles se tornaram mais jovens ainda, como se a mensagem final fosse: “o amor só se é possível quando somos livres de qualquer designação que transforme nossa vida em adulta”. Na trama, baseada no livro de Madame La Fayette, A moça de 16 anos que dá nome ao filme, interpretada por Léa Seydoux, acaba de chegar a um novo colégio, no meio do ano letivo, depois da morte de sua mãe. Ali rapidamente se enturma com os amigos de seu primo, fica com um deles, e vira objeto de afeição do professor de italiano, Nemours (Louis Garrel). Não se engane também, se o amor só rima com juventude, não quer dizer que ele não possa ser cruel, intenso e impetuoso, resultando em eventos que apenas uma paixão imediata é capaz de causar. Christophe já estava a meio caminho de se tornar uma nova febre do cinema francês, com La Belle Personne, ele chega mais perto ainda.

9ª Lugar: Prayers for Bobby (Orações para Bobby)
Já comentando aqui, o telefilme Prayers for Bobby chamou bastante minha atenção. É um filme bem triste, e que possui todos os defeitos de um telefilme, como o ritmo de novela das 8. Ainda assim ele vale bem mais a pena a partir de sua metade, quando o Bobby em si morre. No filme, filho de uma mulher altamente católica, Bobby não foi só reprimido duramente devido a sua homossexualidade, mas foi convencido pela sua mãe que ser gay era um pecado forte e errado. Mesmo Bobby conseguindo se desapegar da família, não desapegou dessa ideia e se matou. A partir desse momento, sua mãe (uma Sigourney Weaver assustadora), entrega-se a uma dor sem tamanho, e passa a se sentir a única responsável pela morte do filho. É doloroso demais o momento em que ela entra na igreja toda molhada e anuncia ao padre que foi ela quem matou o filho que mais amava. Orações para Bobby pode ser um simples telefilme, mas tem uma essência tão forte que indiscutivelmente o torna um ótimo filme a abordar o real questionamento de ser homossexual, saindo desses filmes de mundo glam e da pegação gay.

8º Lugar: Dead Space (Dead Space: A Queda)
A única animação a entrar para a lista guarda uma série de peculiaridades. A primeira dela é que Dead Space não foi feito por uma produtora de filmes, mas sim pela EA, produtora do game que gerou o filme. Exato, Dead Space é um jogo que fez tanto sucesso, que sua produtora resolveu transformá-lo em filme de animação, um campo que a EA nunca havia se arriscado antes. No filme, para a tripulação do USG Ishimura, o horror começa durante uma missão de mineração espacial em um planeta remoto, exatamente quando eles encontram uma antiga relíquia religiosa - que acreditam ser a prova da existência de Deus. Mas quando o artefato libera uma raça alienígena há muito adormecida, a esperança de ver o Paraíso transforma a nave em um verdadeiro Inferno. Dead Space possui o visual de desenho animado, mas o roteiro de um bom filme B de terror com direito a muita carnificina. Não é nem de longe uma obra prima, mas é uma homenagem muito bem feita aos verdadeiros filmes de terror dos anos 70 e 80. Com muita violência, sangue e tripas, é um filme recomendadíssimo para os fãs do terror misturado a ficção científica.

7º Lugar: Coeurs (Medos Privados em Lugares Públicos)
Poucos filmes são capazes de retratar as pequenas emoções da vida. Pouquíssimos pra ser mais preciso. E quando o assunto se torna retratar as emoções do amor assim como elas são, reais, e não aquela coisa hollywoodiana, a lista de possibilidades diminui drasticamente. Porém, Couers conquista esse posto, com um trabalho nada fácil para representar na tela exatamente isso, as menores decepções amorosas ou sinais de esperança como eventos em grande escala. No filme, uma nevasca sobreposta une as cenas visual e narrativamente, transforma os seis personagens de elementos errantes e desassociados num único complexo coeso, sem marcas de liga. É um filme sobre desiluções, começo e fim do amor, a intimidade da vida de cada um de nós, aquilo que temos medo que qualquer outro descubra. Não é um filme fácil de assistir. Ao primeiro momento pode parecer tranquilo e banal, mas é ao longo de sua narrativa que percebemos de verdade que, sim, a vida é simples, somos nós que adoravelmente a complicamos.

6º Lugar: Død snø (Dead Snow)
Qual a grande dificuldade do cinema atual em fazer filmes com a temática de zumbis? Ser original e ter diferencial aos outros. Vale citar um exemplo aqui da produção hollywoodiana, Zumbilândia, que errou feio e é realmente ruim de dar dó, diferente de Extermínio, que foi responsável por um up não imaginado ao gênero. E no meio termo está o filme norueguês Død snø. O filme conta a história de um grupo de amigos em uma estação de esqui norueguesa que fica isolada pela neve. Lá, eles encontram um velho que conta uma história de horror sobre a ocupação nazista na Segunda Guerra. Ao encontrar um baú cheio de medalhas de oficiais alemãos, eles inadvertidamente erguem um exército de zumbis dos nazistas que morreram ali. Uma palavra para definir Død snø: divertido. E se um filme de zumbis não consegue ser aterrorizante, pelo menos divertido ele seja, mas não uma simples diversão, mas um humor negro, inteligente e com atuações boas. Além de tudo isso, há um elemento aqui raríssimo de se achar nos filmes de terror da atualidade, você torce para que os humanos não morram, você quer realmente que eles vençam os zumbis nazistas, diferentes dos filmes americanos, em que a morte dos adolescentes idiotas que só pensam em usar drogas e transar é sempre aguardadíssima.

5º Lugar: Antarctica (Antártica)
Filmes que abordam os modus operandis dos relacionamentos geralmente são um tiro no pé. O israelense Antarctica consegue se salvar como poucos. Não é um filme perfeito no trabalho da abordagem de seu tema, a começar primeiramente pelas interpretações que são uma droga em sua absoluta maioria, e seu começo, que é realmente longo o suficiente para se tornar desnecessário junto a trama principal, mas ainda assim, sua mensagem salta a tela de uma forma tão óbvia, que Antarctica se torna muito bom exatamente por isso, jogar para o telespectador a pergunta: estará o amor morto ou só estamos procurando nos lugares errados? No filme, em dois dias, Omer completará 30 anos e, como muitos de sua idade, ele ainda não se encontrou. Mas também mal procura. Em vez disso, ele prefere se perder entre as prateleiras de livros da biblioteca onde trabalha. Junto a ele, mais 5 personagens estão no mesmo rumo, alguns sem volta, outros com esperanças e a maioria sem vontade de mudar seus momentos, mas ainda assim a lamentar sobre eles. Um ótimo filme para dar tapa com luva de película e fazer com que nos questionemos sobre as dificuldades dos relacionamentos modernos, além da própria falta de relacionamentos.

4º Lugar: Paranormal Activity (Atividade Paranormal)
Meu 4º lugar nem é um filme não tão assistido assim. Paranormal Activity resultou num fenômeno do terror que poucos filmes são capazes de causar, entre eles o lendário (e horrível, na minha opinião) A Bruxa de Blair, do qual esse bebe de sua fonte sem medo de ser feliz. É um filme que não remete exatamente a cinema, é mero entretenimento. É difícil comprar a idéia de que o filme é real, resultados das gravações insanas de um casal que tem sua casa mal assombrada, mas é impossível não se amarrar nele, pois se tem um tipo de entretenimento que funciona, esse é o entretenimento de terror. Acima de tudo, o que faz Paranormal Activity funcionar é que tudo nesse filme é inesperado, começo, meio e fim. Junte isso a uns ótimos sustos (não recomendo ninguém assistir esse filme a noite, sozinho, como eu fiz) e você tem uma fórmula que dá certo. Enfim, o alarde de “melhor filme de terror da década” não é merecido, mas ainda assim, merece muito ser visto.

3º Lugar: Låt den Rätte Komma In (Deixa ela entrar)
Antes de falar de um dos melhores filmes do ano, eu devo confessar que a série Crepúsculo não é vítima do meu ódio, mas da minha desilusão com a humanidade. Primeiro, por destruir (se duvidar, para sempre) ícones do terror como o vampiro, e segundo, por criar uma onda de alienação nunca vista antes na história da cultura pop. E quando eu não tinha mais esperanças, surgiu Deixa ela entrar. Mais do que um ótimo filme, temos aqui uma metáfora doce e moderna da passagem da infância para a adolescência. Primeiro conhecemos Oskar (Kåre Hedebrant), garoto de 12 anos, cansado de ser saco de pancada na escola. Quem parece um vampiro aqui é ele, mas Oskar é só um garoto normal. Até o dia em que ele conhece Eli (Lina Leandersson), garota que acabou de se mudar para o prédio e que chama atenção pela janela do quarto, tapada com papelão. Como Oskar, Eli não é muito de socializar. E ela também tem 12 anos, só que há muito mais tempo, pois é uma criança vampira. Acabam ficando amigos, e daí surge uma relação de cumplicidade, inocência e um tipo especial de amor que apenas as crianças são capazes de criar. E só porque temos crianças aqui, não significa que o sangue não role. Temos como destaque o pai de Eli, que busca o sangue para a filha de maneira impressionante, sua própria morte, servindo de comida para a filha, a luta de Oskar, a representação poética do fim da infância e um final surpreendente. Num mundo de vampiros purpirinados, Deixa ela entrar nos dá um gás sem tamanho.

2º Lugar: Moon (Lunar)
É difícil fazer ficção científica. E na última década, quando ela aconteceu, sempre foi cercada de muitos efeitos especiais, explosões, guerras inimagináveis dentro da galáxia, como podemos lembrar através do bom remake de Star Trek. Mas entre super produções, um filme se destacou brilhantemente, Moon. Feito com menos de 10 milhões de dólares, Moon parece ter sido produzido com um mega orçamento de 150 milhões. O filme mostra Sam Bell (Rockwell) no fim do seu contrato de trabalho com a Lunar. Ele tem sido um empregado fiel da companhia há três anos, vivendo na base batizada de Selene, enquanto está minerando Helium 3. O precioso gás lunar é a chave para reverter toda a crise de energia da Terra. Isolado, determinado e firme, Sam seguiu as regras obedientemente e sua temporada na lua tem sido leve, mas sem grandes acontecimentos. Seu trabalho é feito de maneira mecânica, o que lhe dá tempo de sobra para ficar sonhando com seu retorno à Terra, para ficar com sua esposa e filha, assim que se aposentar. O problema é que a Lunar não vê o futuro de Bell acontecendo dessa forma, resultando numa trama sinistra e que engana muito bem parecendo algo paranormal a princípio (vide Solaris), mas se mostrando algo friamente calculado (vide Alien). É um filme de referências, com uma trama amarrada, enxuta e um visual impecável. Uma leitura obrigatória para quem é fã do gênero como arte, não como mero entretenimento.

1º Lugar: Le Premier Jour Du Reste De Ta Vie (O Primeiro dia do Resto de Sua Vida)
Existem filmes que quando você conhece, não dá nada, mas quando começa a assistir, deixa ele entrar na sua vida, devagar, te emocionando e transbordando através de no mínimo uma lágrima. E essa é a melhor definição dessa obra prima do cinema canadense, Le Premier Jour Du Reste De Ta Vie. Uma das maiores dificuldades que o cinema sempre vai ter, será o de retratar a família. E quando eu digo retratar família, falo de algo que qualquer expectador poderá se identificar, e esse é o grande feito desse filme. Temos a história da família Durval, o pai taxista e fumante, a mãe que não aceita envelhecer e é melodramática, o filho distante que prefere a solidão, o outro filho fã de rock que não quer trabalhar nem ter responsabilidades, a filha que se mete em todo o tipo de problemas, alguns autodestrutivos. É uma composição básica, o segredo está nas situações e na identificação. É nas brigas, nos jantares, nos beijos, nos abraços, nos olhares, nas lembranças, na celebração da vida e da morte. Quem tem família, ama. Quem tem família, odeia. Mas acima de tudo, Le Premier Jour Du Reste De Ta Vie nos lembra que quem tem família, não precisa de muita coisa além disso.

Feliz 2010, até lá!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

“A felicidade só é verdadeira quando compartilhada”


"O texto a seguir é uma reflexão de ficção. Qualquer semelhança com a reflexão de pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Especialmente para vocês, ex’s... babacas"

A vida é um boy meets girl. A não ser é claro que você tenha criado um novo caminho na sua vida e o seu jogo seja boy meets boy, ou girl meets girl, ou boy meets chicken, enfim, vocês entenderam o sentido da coisa. Contemporaneidade e sensibilidade parecem palavras ultra diferentes quando procuramos seu significado no mundo atual. Mas quando paramos pra analisar as nossas vidas, percebemos que somos isso, uma sensibilidade contemporânea num mundo de garotos que conhecem garotas.

Boy meets girl é o típico filme comédia romântica. Nele, um garoto conhece uma garota, eles tem um caso, onde ambos terão grandes aprendizados e dramas, situações cômicas, e no fim eles, A) ficarão juntos para sempre, ou B) cada um vai seguir o seu caminho. Então por que a vida é um boy meets girl? Porque a vida é assim, você vai encontrar dezenas de pessoas no seu caminho, todas terão algo para lhe acrescentar, mas de fato, algumas das que mais nos marcam, são aquelas que tiram algo de nós e levam com elas.

E no universo particular de cada um, existe um alguém especial, que no fundo não é tão especial assim, que no fundo é a pessoa que a gente nunca quis ter conhecido, que no fundo marca o que alguns amigos meus chamam de Ritual de Passagem. De fato, o ritual de passagem da sensibilidade de cada um (aqui há muitos outros sentimentos, claro, mas vamos tratar no geral da sensibilidade), acontece quando a partir de um evento em comum ao de outro alguém, nós passamos a não ver mais o mundo como era antes desse outrem. Num ritual de passagem, o mundo segue adiante, você não.

E sobre isso o que trata aquele que eu já escolhi como o melhor filme de 2009, a comédia romântica, o típico boy meets girl, a obra que me pegou de surpresa mais do que qualquer outra, 500 Days of Summer (500 Dias com Ela, tradução brasileira de um título intraduzível). No filme, Tom é um criador de cartões comemorativos, que busca algo acima de tudo, o amor de sua vida. Um dia, no escritório ele conhece a bela Summer. E o filme já começa a se tornar genial por mostrar primeiramente que o raro tipo de homem que tem sentimentos nobres por uma mulher, é acima de tudo, não um tímido, mas um covarde. Os dois começam uma incrível relação, mas há um porém: ELA não acredita no amor.

E é assim, que por 500 dias, somos apresentados a um relacionamento que nasce fadado a dor e ao desespero por amarmos e não sermos amados de volta. De forma não linear (que chega até a ser irritante em alguns momentos), mergulhamos em acontecimentos bons, ruins e simplesmente comuns. Hora somos Tom, hora somos Summer. Hora estamos sendo um deles dizendo a monstruosa frase “ainda podemos ser amigos”, escutando The Smiths no elevador, pulando de alegria após uma noite de sexo e fazendo um completo musical no caminho pro trabalho, tentando discutir a relação, não discutindo e rindo ao som de Carla Bruni, tentando discutir a relação, não discutindo e brigando no apartamento, quando conversamos sozinhos, tentando nos enganar na frente do espelho, como ao experimentar a explosão do primeiro beijo daquele por quem já estamos apaixonados e claro, por saber qual vai ser o último.

Talvez um dos melhores pontos de 500 Days of Summer seja quando somos apresentados a divisão da tela em Realidade e Expectativa. Nenhum momento é tão perfeito ao mostrar como somos fracos de mente quando estamos apaixonados e tudo que acontece ao nosso redor nós desejamos que estivesse sendo completamente diferente. Ainda assim, se 500 Days parece um filme banal, é em seu final, num diálogo absurdamente sincero e doloroso entre Tom e Summer que entendemos uma visão absolutamente honesta, ainda que um tanto tragicômica, do amor, além de alguma forma renovar esse sentimento por acreditarmos: “uau, agora tudo faz sentido”.

Sim, porque acima de tudo, após um Ritual de Passagem, nós devemos saber qual é o momento de voltar a caminhar com o mundo. Mesmo tendo aqueles que acham o amor uma utopia. Mas o amor não é uma utopia, viver na natureza selvagem que é.

Se 500 Days of Summer é capaz de nos mostrar perfeitamente o difícil rumo que a vida às vezes nos dá, Na Natureza Selvagem é o filme que mostra a utopia do rumo que queremos dar a nossa vida. Mais que um incrível filme, Na Natureza Selvagem toca a sua alma com a ponta de uma faca e a faz sangrar. Se você não sentir isso, então é porque você matou há muito tempo o que há de mais simples dentro de você.

É um filme revelador, com uma força pós-utópica que nos faz malditamente compartilhar uma empatia com o personagem principal. Afinal, você nunca pensou em abandonar tudo e viver uma vida sobre a liberdade total, a partir do zero? Em Na Natureza Selvagem os elementos da liberdade, sociedade, natureza, verdade, sentimento, moral, solidão, e este mix de tudo estão o tempo todo sendo jogados na nossa cara de uma forma sublime e dolorosa. É uma reflexão no abismo de uma utopia pós-hippie, que nem a galera de Woodstock acredita mais.

Temos a história de Chris, que depois de sua formatura aos 22 anos, doa sua poupança, abandona sua família, seu carro, destrói sua identidade, seus cartões de crédito, queima o que lhe sobra de dinheiro e parte em busca daquilo que considera sua liberdade aquém de qualquer elemento da sociedade. Sem dinheiro, viaja por dois anos pelos lugares mais belos e inóspitos dos EUA e México, trabalha daqui e dali, conhece pessoas que se afeiçoam a ele, e parte para um plano audacioso: ir para o Alaska onde pretende viver em meio à natureza por sua conta e risco.

Não estou falando de um atletazinho babaca que aparece no Fantástico e no Domingo Espetacular, desses que se preparam fisicamente por anos, ficam cercados de água e energéticos, que só escala uma montanha guiado por GPS e está sempre com um óculos escuro da Nike. Estou falando de... ah, não é fácil dizer de quem estou falando, nunca conheci o Chris de verdade (o filme é baseado numa história real), e Deus sabe que depois desse filme eu gostaria de ter conhecido.

E não nos resumimos a diálogos, nos resumimos a imagens, a expressões. Temos momentos, como a invasão da enchente no carro, os pulos junto aos cavalos selvagens ao pôr do sol (cena esteticamente perfeita), os dias de verão no Ônibus Mágico, a decida pelas corredeiras, o momento em que ele enterra os livros de seus pensadores favoritos e o encontro com o urso, que desfocado e sem som é de longe o momento que mais representa que Chris agora faz parte da natureza, mesmo a vista de um final não trágico como muitos podem imaginar, mas libertador.

Mas definitivamente o momento mais maldito na cabeça de quem assiste esse filme é quando Chris conhece o velho Ron, um homem muito solitário e recluso que vê em Chris não a pessoa que ele gostaria de ter sido, mas o filho que ele queria ter amado. Num diálogo assombroso de tão emocionante, Ron fala com lágrimas nos olhos: “Sabe, eu tenho uma idéia. Minha mãe era filha única, meu pai também, e eu fui o único filho deles, por isso, quando eu me for, serei o fim da minha linhagem. A minha família acabará. Que tal... deixar te adotar?”, a ponto que Chris responde tentando segurar a emoção: “Ron, podemos falar sobre isso quando eu regressar do Alasca?”. Ambos concordam, mas é difícil segurar a dor, porque ambos sabem, e nós sabemos também naquele momento, que eles nunca mais irão se ver.

Na Natureza Selvagem é um filme difícil de ser assistido. Principalmente num mundo que nos ensina que o correto é estudar, trabalhar em empregos que às vezes odiamos, ter um mês de férias para gastar o que nem temos, trabalhar de novo, pagar contas e seguir o sistema. É difícil acompanhar a utopia de Chris, mas é fácil compartilhar sua lição, uma lição única de alguém que realmente quis a liberdade, conquistou, e no fim descobriu que o melhor dessa liberdade, é que ela seja compartilhada.