quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Os 10 melhores filmes de 2010 que você NÃO assistiu

Pelo segundo ano consecutivo (embora possua três edições), o Fala Consciência encerra sua temporada com a tradicional lista dos 10 melhores filmes do ano que você na verdade NÃO assistiu. O post nada mais é do que uma brincadeira e ao mesmo tempo uma forma de mostrar filmes que não tiveram muito sucesso ou destaque no ano, mas que na verdade não deveriam deixar de ser assistidos.

Em 2010, o cinema continuou fraco de idéias em suas veias mais alternativas. De fato, alguns dos filmes mais interessantes do ano como A Origem, Scott Pilgrim e A Rede Social são superproduções, derrotando os diretores e roteiristas mais alternativos que costumam lançar obras mais complexas e reflexivas. Talvez por isso a lista desse ano tenha sido tão difícil de fazer.

Não obstante, vocês provavelmente podem ter assistido até três dos filmes indicados, o que é uma vergonha pra mim que costumo produzir a lista com filmes que eu acho que ninguém mais por aqui assistiu. A maior surpresa fica por conta de pela primeira vez termos um filme nacional, um argentino e um japonês, além de três produções de orçamento considerável, duas delas tendo atores famosos, o que até descaracteriza a ideia original, mas como eu disse, foi difícil. Ainda assim, divirtam-se, comentem e me digam quais vocês já assistiram.

Até 2011.

Obs: nem todos os filmes citados foram produzidos e lançados em seus países de origem em 2010, mas a repercussão internacional e principalmente dentro do Brasil, foi esse ano.

10º Lugar: Mister Nobody (Mr. Nobody – Alemanha, Bélgica, Canadá, França)
Existem filmes que tem tudo para ser um desastre. É o caso de Mr. Nobody, que possui Jared Leto como um de seus protagonistas, simplesmente um dos piores atores/cantores do mundo ocidental. O impressionante, é que o filme sobrevive a isso. Mais do que sobrevive, assistir Mr. Nobody te dá uma sensação parecida com a do filme, a de que o tempo não faz mais sentido e a relatividade se torna não uma questão da física, mas pessoal. Arrepiante é a premissa dessa obra: e se você pudesse reviver em várias vidas todas as grandes escolhas que o destino te obriga fazer? E se ao invés de escolher um caminho, você pudesse viver todos eles? Num futuro onde a imortalidade chegou para todos, menos Mr. Nobody, que espera o fim tentando lembrar quem ele realmente foi, o prazer da vida está justamente no fato de podermos fechar nosso ciclo de existência, pois Mr. Nobody prova que só através da morte alcançamos a verdadeira imortalidade.

9º Lugar: Pandorum (Pandorum – EUA, Alemanha)
Todo, eu disse TODO, filme de ficção científica tem um único objetivo na cabeça de seu diretor: ser o novo 2001 - Uma Odisséia no Espaço. E lógico, nenhum até hoje conseguiu nem chegar perto disso. Para a sorte de Pandorum, mesmo tentando ser 2001, ele consegue apenas ser parecido com outro bom filme de ficção científica: Alien - O 8° Passageiro. O filme começa muito bem. Na história, dois membros da tripulação de uma gigantesca espaçonave despertam sem lembranças de como chegaram ali, quem são ou quanto tempo dormiram em câmaras de hibernação. A medida que eles descobrem se tratar de uma nave de colonização, já que a Terra foi extinta, a coisa se torna complicada com a existência de uma raça alienígena que se alimenta dos humanos em hibernação. Os defeitos de Pandorum estão em seu recheio, mesmo com as ótimas atuações dos dois protagonistas a trama se perde um pouco. Mas o visual claustrofóbico e o terror de imaginar a situação, além de seu ótimo final, o colocam num bom patamar do gênero.

8º Lugar: Pecado da Carne (Einaym Pkuhot – Israel)
Pecado da Carne só pode ser considerado a versão judaica do ótimo Brockeback Mountain. E sem ser tão bom, o que já compromete o filme. Mas então por que o destaque? Simples, ele viaja por uma Israel que nem seu cinema, tão engajado em mostrar uma sociedade israelense moderninha, paz e amor, gosta de revelar. Esse é o motivo por exemplo de eu não gostar de A Bolha (que junto com Delicada Atração e Antarctica coloca Israel num interessante patamar de filmes gays mesmo num país ultra conservador). Sua história gira em torno de Aaron Fleishman (Zohar Shtrauss), cujo pai morreu recentemente, deixando-lhe como herança um açougue. Casado, pai de quatro filhos, Aaron resolve abrigar, num quartinho do açougue, um jovem estudante chamado Ezri (Ran Danker). O jovem é famoso no bairro por ser bem rodadinho, e nasce um sentimento bem quente entre os dois. De fato, a péssima tradução do título faz juz ao filme em si, a relação dos dois homens é mais carnal do que sentimental, deixando claro que nem mesmo os dogmas da sociedade mais arcaica de Israel é capaz de lutar contra a natureza do homem. Uma verdeira viagem por um lado complicado de uma sociedade tão castigada pelas grandes mudanças do mundo.

7º Lugar: O Signo da Cidade (Brasil)
Se tem um filme que até hoje eu não aceito que tenha levado o Oscar de Melhor Filme, esse é Crash. Ele que já era um filho bastardo de Magnólia acabou gerando uma outra dezena de bastardinhos e o nacional O Signo da Cidade é um deles. Mas ta aí, gostei desse filme. O drama mostra a cidade de São Paulo, que na verdade acaba sendo sua personagem principal e completa a minha teoria de que a cidade em si é como uma grande (não levem a mal) prostituta. Atraente, perigosa e fascinante. Com fotografia quase totalmente noturna, não embeleza Sampa, mas revela um fascínio. E no meio disso uma leva de personagens perdidos tentando se encontrar num universo tão grande onde reina a impessoalidade. Os diálogos são bons, os personagens são interessantes (menos o casal suicida, completamente irritante), mas é o fato de que suas histórias realmente podem estar acontecendo agora nessa cidade, uma das maiores do planeta, que mais nos atrai.

6º Lugar: A Centopéia Humana (The Human Centipede: First Sequence – Holanda e Reino Unido)
Depois de assistir A Centopéia Humana, eu passei algumas noites demorando pra conseguir dormir, não porque estava aterrorizado com o filme, mas porque seu exercício cinematográfico é simplesmente... sublime! Odiado por onde passou, esse filme que adquiriu status de cult underground é o resultado de uma ideia doentia sendo levada muito a sério. A principio, todos imaginavam a mesma coisa do filme, toneladas de nojeira, sangue e escatologia. Foque absoluto no sadismo e um roteiro fraquíssimo. E não é bem isso! Na trama, um cientista louco cujo sonho (ou pesadelo?) é criar uma nova forma de vida ligando três pessoas para gerar uma única criatura, usa duas turistas americanas e um japonês com problemas mentais. E... ele consegue. O interessante é que ACH é em sua primeira metade um verdadeiro clichê de filmes de terror, captura, perseguição, foco no vilão e a obviedade de que as vítimas não irão escapar. Depois o filme se torna o que é exatamente por sua ideia original vendida no título. Junte isso ao fato do filme não ser gore e temos uma produção enxuta, angustiante, que vai mexer com todas as suas emoções explicitando um horror inimaginável. Temos aqui também um dos maiores vilões da história do cinema de horror e um final impressionante que, isso sim, vai te tirar algumas noites de sono.

5º Lugar: O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos - Argentina e Espanha)
Existe uma lógica que não aceito questionamentos em O Segredo dos Seus Olhos: o roteiro parece ter sido escrito pelo John Grisham. Na trama, o aposentado Benjamín Espósito escolhe para tema de seu livro o caso criminal que mais marcou a sua carreira no Tribunal Penal de Buenos Aires, um estupro seguido de morte de uma jovem recém casada. Para ordenar as ideias, ele revê o homicídio que investigou em 1974 e termina repensando as decisões feitas no passado. Na primeira metade do filme somos engolidos por uma direção de arte e fotografia tão lindas que encantam os nossos olhos. Mas é a partir de um momento marcante, a fantástica tomada do estádio de futebol, que o filme toma um rumo que enche de orgulho saber que cinema arte de tamanha qualidade com toques contemporâneos foi feito na América do Sul. A trama policial passa a tomar um rumo de humanização lindo, tocante e por diversas vezes triste. Mas é em seu momento final (com uma revelação surpreendente) que assim como Espósito nos questionamos se ainda dá tempo de revertermos algumas das escolhas de nossas vidas, pois como diria um dos personagens da trama, "o homem pode mudar tudo, menos a sua paixão".

4º Lugar: Eu Matei Minha Mãe (J'ai tué ma mère – Canadá)
Deve haver algo entre os diretores canadenses (deve ser a água que eles bebem) que faz com que sejam os melhores do mundo ao retratar o olhar cinematográfico sobre as instituições familiares. Não demais, alguns filmes como C.R.A.Z.Y. e O Primeiro Dia do Resto de Sua Vida são alguns dos melhores que assisti na vida. E embora Eu Matei Minha Mãe não entre para esse seleto time, ele entra fácil para lista dos melhores filmes a retratar justamente a família, esse elemento tão difícil de trabalhar em película. A obra traz o retrato de um dos maiores problemas da adolescência e que tantas vezes sai do controle, as dificuldades de se relacionar com os pais. Hubert (Xavier Dolan, que aos 17 anos escreveu, dirigiu e atuou esse filme) e sua mãe Chantale (Anne Dorval) vivem juntos de forma muito conturbada. Não há vilões aqui, há amor, mas ódio na mesma intensidade. Eu Matei Minha Mãe não é um retrato de um único lado. Hubert não discute com a mãe porque ela é a grande vilã e Chantale está ali tão perdida quanto o filho que criou sozinha. É um filme sobre incompreenção, mas retrata melhor ainda como compreendemos mal até aqueles que amamos. Além de chegarmos à conclusão de que mesmo quando queremos superar as distâncias, talvez o ideal seja aumentá-las.

3º Lugar: Sede de Sangue (Ba
kjwi – Coréia do Sul)
I Am Cyborg, But That’s Ok pareceia ter levado Park Chan-wook a um caminho sem volta: o da rendição de seu estilo de produzir filmes aos mesmos moldes americanos. Felizmente, Sede de Sangue é seu pedido de desculpas para o mundo e um ‘chupa’ para a América. Essa obra sensacional não tem também um estilo, vai do drama ao humor negro em segundos, do macabro ao emocional, do gore ao clean. Nele, o padre Sang-hyeon (Song Kang-ho) é muito devoto de sua fé, mas também acredita na ciência e se submete a um experimento do qual poucos saem vivos. Ele reage mal, e quase morre, mas uma transfusão de sangue o traz de volta a vida. As pessoas começam a achar que ele é santo, mas Sang-hyeon na verdade se tornou um vampiro. É muito bacana ver os dilemas de Sang tentando resistir ao ímpeto de beber sangue humano, de respeitar a vida que ele tanto acredita ser sagrada. Já não bastasse isso, a política do diretor retoma a ideia de que todo homem está condenado a ruir na mão de uma mulher, até mesmo os vampiros. E é num relacionamento doentio entre o padre e a mulher cínica e dissimulada que ele passa a amar que temos aqui uma trama de fetichismo, uma verdadeira história vampírica oriental que deixaria Bram Stoker orgulhoso.

2º Lugar: O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus – França e Canadá)
O gênero cinematográfico da fantasia só existe por um único motivo: encantar. Não é o caso, por exemplo, do desastroso Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, que pecou por achar que infantilidade, mais efeitos especiais e amadorismo salvariam seu filme. O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus não só nos leva a uma viagem linda pelo mundo da fantasia, como nos convida a ir junto e prova que a fantasia quando se é adulto é ainda mais fascinante que quando criança. A questão é (e isso também é a premissa do filme): você é capaz de se entregar justamente aquilo que lhe faz bem? Nick (Tom Waits, o diabo) faz um pacto com Parnassus (Christopher Plummer): em troca da imortalidade, Parnassus promete ao Diabo a sua filha quando ela completar seus 16 anos. Mas Parnassus não acreditava que um dia teria um filho até que conhece e se apaixona por uma mulher, a mãe de Valentina (Lily Cole). Desesperado, Parnassus tenta uma última cartada para manter seu amor: conseguir cinco almas para ele antes do aniversário de Valentina, em três dias. Junte isso a aparição do misterioso Tony (Heath Ledger, Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrel), que embora ajude Parnassus, devemos sempre lembrar que foi colocado em seu caminho pelo próprio diabo e temos uma trama de reviravoltas elegantes. É no tal mundo imaginário que está a grande sacada do filme: quando você deixou de sonhar? Salvar a própria alma não é uma questão de se entregar ao pecado, mas deixar de viver se entregando as regras de uma sociedade que não deseja seu bem pessoal. Para tudo existem consequências, O Mundo Imaginário mostra que os covardes morrem idosos, mas os corajosos... bem, esses tem uma vida de incertezas, mas ainda assim, estão vivendo de verdade.

1º Lugar: Evangelion 2.0 – You Can (Not) Advance (ヱヴァンゲリヲン新劇場版:破 – Japão)
É revoltante eu colocar esse filme como o melhor filme (não) assistido de 2010. Pelo simples fato de que para realmente entender as 2h dessa fantástica produção japonesa é necessário um investimento gigantesco para aí sim chegar a Evangelion 2.0. Existe algo que sempre comprometeu Evangelion: a pressa. O autor tem grandes dificuldades em escrever a obra em mangá (um volume a cada dois anos estava sendo a média). Por causa disso, mas apostando em sua imensa qualidade, foi criada a série em anime, que adiantando parte da série em mangá, se tornou um marco sem precedentes da animação japonesa... se não fossem seus desastrosos dois últimos episódios. Resultado: alguns anos depois resolvem refazer o final, em filme. Sensacional, do caralho, de infartar qualquer fã... mas só a primeira metade. Mais alguns anos e resolvem agora refazer TUDO, do zero, em quatro filmes. E os fãs pensam: que saco! Felizmente, nós fomos presenteados. You Can (Not) Advance é então o segundo filme desse remake, um filme que leva essa cultuada série no mundo inteiro a algo completamente novo, misturando os elementos antigos da trama com novidades e uma nova complexidade sem limites. Apenas quem é fã de verdade vai entender. Quem não é fã e se arriscar a assistir vai apenas se sentir embelezado com a obra, seus efeitos (é uma animação), as batalhas dos mecas e os anjos e... boiar no resto. Para os fãs, é um resgate de uma história inesquecível sobre o fim dos tempos, mas maltratada, que pela primeira vez está tendo o tratamento que merece. Mais que isso, a recriação das identidades dos personagens Shinji, Asuka e Rei são envolventes, a nova personagem, que revela a preferência pelo lado desumano dos Evangelions (robôs construídos para lutar com os anjos encarregados pelo extermínio da vida na Terra) é a visível criação de uma anti heroína fascinante. E Kaworu... bem, Kaworu é um dos seres mais aclamados da série, sua cena sentado sobre seu próprio Evangelion na Lua é fascinante. Mas é em seu final após os créditos que Evangelion mostra para que realmente existe: para mostrar que somos seres não evoluídos, fracos, frágeis de coração e mente, menos de alma, essa sim, que pode se conectar a outros seres vivos e nos defender do fim de nossas próprias existencias, com seu brilho, também conhecido como Campo A.T.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Todos nós queremos ser jovens, pop’s e pós-modernos-contemporâneos para sempre


Eu tenho uma raiva exagerada, quase um desprezo, por quem adora lembrar dos ícones anos 90. Música tema de Carrossel, movimento de hora de morfar dos Power Rangers, tazos que vinham em chicletes, todas as falas de Paola Bratcho em A Usurpadora... Enfim, qualquer coisa que faça eu perceber que estou ficando velho, e que eu era um tosco. Pior, quando se trata das redes sociais (caralho de "redes sociais”, isso aqui não é o Fantástico), então, quando se trata de TWITTER, esse movimento vira uma praga, basta uma pessoa citar alguma coisa e pronto, lembranças de coisas velhas se espalham pior que carrapatos em cachorro não tosado.

E se para a minha geração, que foi criança nos anos 90, já existe um movimento de saudosismo tão grande, o que será que existe para aquela geração que foi criança nos anos 80 e que eu chamo carinhosamente de Geração Kichute? Num mundo que não só tenta colocar na cabeça de todos que são os jovens que mandam nas tendências como realmente são os jovens que MANDAM, como se defender de um conjunto de filosofias pós-modernas-contemporâneas que sempre querem te ensinar o seu lugar se você já não é... “tão jovem assim”?

Sei lá!

A pergunta pode até não ter uma resposta tão simples. Mesmo porque, é o tipo de resposta que aparece em atitudes, não me cabe listá-las, porém, eu faço questão de citar uma. Sim meus amigos, pois Scott Pilgrim Contra o Mundo, um dos filmes do ano, é um verdadeiro tapa na cara da sociedade-teenager-colorida.

Scott Pilgrim mostra que a vida acontece em fases, não as fases infância-adolescência-adulto, mas as fases de vídeo game mesmo, mas muito mais que um simples game, um game 8bits, um dos maiores símbolos da geração anos 80. Na trama, Scott Pilgrim, guitarrista de uma banda baita ruim e que sofre com o fim do último namoro há mais de um ano, conhece a ultra descolada Ramona, que passa a ser foco de uma paixão repentina, mas que ao conhecer a Liga dos Ex-Namorados do Mal de Romona, começa a contestar sua paixão. Como nos videogames, cada ex-namorado é uma fase a ser superada, um inimigo a ser derrotado. E Como na realidade, cada memória do outro é uma bagagem a ser compreendida por Scott, não no sentindo de compreender somente Ramona, mas a si mesmo, a superar seus traumas e fraquezas.

Não julgue Scott Pilgrim pela capa e pela produção. A história parece infantilizada, com os elementos de Super Mario, Metroid, Street Fight e The Legend of Zelda, incluindo onomatopeias, recordatórios em quadro e influências de mangá. Mas temos aqui um épico 2.0, um trabalho cinematográfico de adaptação de linguagens fenomenais, e uma celebração a ícones esquecidos que inspiraram simplesmente todos os que temos hoje, junto a uma Geração Indefinida de jovens que comanda o mundo, tem um poder impressionante nas mãos e na verdade não dá muita importância a isso.

Prova do que eu digo é mini-documentário-não-tão-documentário-assim-padrão-Youtube chamado We All Want to Be Young. O vídeo é o resultado de diversos estudos realizados pela BOX1824 nos últimos 5 anos, uma empresa de pesquisa especializada em tendências de comportamento e consumo. E sinceramente... esse vídeo é mais que um tapa, é um soco no estômago da sociedade.



A produção assinada Lena Maciel, Lucas Liedke e Rony Rodrigues tem muito a dizer em seus menos de 10 minutos. Aliás, o próprio formato é louvável. Vale imaginar que se fosse produzido no Brasil, esses 5 anos de estudos virariam no mínimo um livro de 500 páginas ou um vídeo de 1h30 que fariam todos dormirem. Aqui temos imagens reconhecíveis, trilha sonora agradabilíssima e um texto que a início parece bobo, mas que como tudo que faz sucesso na internet hoje em dia, traz uma série de reflexões em velocidade de metralhadora.

Os jovens da atualidade são o topo da pirâmide de influencias, uma geração global, netos da Geração Baby Boomer e da filhos da Geração X, aqueles que conquistaram o mundo e que só querem dançar Lisztomania em cima do telhado (ok, esse foi um toque bem pessoal). Uma geração única, que tem uma lista gigantesca de possibilidades, de oportunidades, um volume de informações descontrolado, ansiedade crônica e dificuldade em escolhar os filtros.

Mas como diria o narrador de We All Want to Be Young, "Se você acha que já sabe bastante e está em paz com seu espaço no mundo, então, parabéns. Você está oficialmente morto". No fim, ser jovem é ser sexy, engraçado, divertido, e por isso, todos temos medo de perder isso. Um medo que nos faz retomar a pergunta do começo do texto: como se defender de um conjunto de filosofias pós-modernas-contemporânaes que sempre querem te ensinar o seu lugar se você já não é... “tão jovem assim”?

Bem, acredite ou não, a resposta pode ser encontrada exatamente naquilo que Scott Pilgrim Contra o Mundo Faz tão primorosamente. Entenda a evolução do mundo, saiba unir todos os elementos e ícones ao seu redor, não se feche, não perca sua ambição, seus pequenos sonhos que podem sim se tornar a realidade... isso senhores, no fim não é auto ajuda, é a verdadeira fórmula para ser jovem para sempre.

E agora, quem quer dançar Lizstomania comigo encima de um telhado?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Quem quer ser o imperador do efêmero?


No filme acelerado da história moderna, dentre todos os roteiros, o da moda é o menos pior
Gilles Lipovetsky

Aí estava eu saindo do trabalho quando não mais que de repente, no cruzamento do sinal, dô de cara com um mulek saindo da escola usando um boné Von Dutch metade tela, virado pra trás. E aí eu penso, “o horror, Deus, o horror”. Saco imediatamente meu iPhone do bolso e twitto na hora: “Péra aí, ainda tem gente que usa boné Vun Dutch? Que sociedade é essa, Jesus?”. Ok, vamos fazer uma pequena referência pra você não se perder já no comecinho, bonés Von Dutch eram uma modinha em 2005/2006 principalmente nas baladas cariocas. A bosta do boné ficou tão famosa que todo mundo queria um e a Revista Época fez uma matéria de 4 páginas sobre as baladas de boné brega que custavam em média R$100.

Imediatamente eu recebi algumas respostas bem irritadas de alguns seguidores, pessoas que tinham o diabo do boné enfiados em algum lugar do armário e se recusavam a aceitar que os Von Ducthcs papagaiados não era mais tolerantes. De fato, comecei a me questionar. Eu havia visto o boné num garoto bem meia boca, sem nenhum sentido do que a palavra estilo poderia significar, mas e se eu tivesse visto ele na cabeça de Prince Pelayo ou do Juan Cocco? Bem, talvez eu até desejasse comprar um. E é sobre isso que eu quero falar com vocês.

De todos os males que a humanidade criou para si mesmo, o conceito de moda na sociedade contemporânea é considerado um dos mais terríveis por muitos. Principalmente os estudantes de Ciências Sociais, História e os ativistas do PETA... Whatever, por que esse ódio todo? Simples, por causa do conceito de ícones.

Eu não vou entrar no conceito de moda, importância, influências e a casa do caralho... vamos pra parte bacana, ícones. O ícone é aquilo que inspira, que te desperta o desejo de ter, e não corresponde exclusivamente a uma pessoa, mas qualquer elemento que inspire um padrão. Alguns são eternos, mas estudá-los sobre a visão de moda é que levanta um certo fascínio por uma única questão, eles estão sempre mudando, eles são completamente mutáveis. E o que está no topo hoje pode não significar mais nada amanhã. E é ai que entra os meus queridinhos Pelayo, Juan Coco, Gala Gonzales e uma surpresinha que eu vou falar só mais pra frente nesse texto.

Para ser um ícone da moda, antes você precisava ser alçado pelo próprio. São as famosas histórias de modelo que dá pro agente, pro estilista, tem que se vender, aparecer, ser visto. Hoje já não é tanto assim, você pode simplesmente se criar, se tornar um conceito. É fácil? Claro que não, vai ter um mundo inteiro tentando te destruir, mas obviamente alguns conseguiram e agora estão no topo. Saíram do nada e se tornaram príncipes, saem em revistas, pagam de modelos, são convidados para a primeira fila de desfiles, ganham um reino de seguidores e principalmente... passam a fazer parte de uma das cortes mais desejadas do mundo, a do Império do Efêmero.

Prince Pelayo, como resolveu se entitular, é um jovem londrino estudante de moda da Central St Martins School. Estilista, o jovem fez um dos figurinos da Rihanna em Hard. Mas grande coisa, pois o que transformou Pelayo num ícone da moda masculina moderna foi seu mundialmente conhecido blog, o Kate Loves Me. Mais do que conhecido, Pelayo saltou para um nível nunca antes imaginado, uma celebridade dentro de um mundo formado quase que exclusivamente por celebridades.


Recentemente, Pelayo conquistou nada mais, nada menos que 8 páginas na revista Elle da Turquia, com Julia Roberts na capa. As marcas o procuram, imploram para que ele use suas roupas. Os convites para desfiles exclusivos pipocam e mais importante que tudo isso, ele criou uma rede de jovens contatos do mundo moda que estão ai, prontos para mudar as regras do jogo (mesmo que por tempo determinado) e tomar as rédeas desse império no futuro, ditando as influências. Se hoje eu tenho como um sonho de consumo camisetas sociais com figuras de Rorschach do Alexander McQueen, é tudo por culpa do Pelayo.

Obviamente Prince não é o único, sua melhor amiga, a estonteante Gala Gonzales (na foto acima) só pode ser definida numa frase de um amigo: “Essa mulher é a cara da riqueza”. Gonzales é o equivalente de Pelayo como mulher, ainda mais poderosa sem dúvida, pelo fato da moda ainda valorizar bem mais o feminino do que o masculino. Gala é uma moça bonita, de bom gosto e requinte. Até aí tudo bem, então ela resolveu colocar tudo isso num blog, o Inside Am-Lul's Closet. Ganhou fãs, dinheiro, fama, se tornou ícone fashion e diretora de arte da empresa de seu tio. Ok, empresa do tio. Mas a sorte quem teve foi o tio dela. A mulher percorre o mundo e se tornou aquilo que na moda todos desejam ser, uma referência.

A profissão de blogueiros de moda cresceu tanto que até mesmo quem é parcialmente de fora do ramo tem se arriscado e se dado bem, como o espanhol Juan Cocco, de 20 anos, estudante de economia e direito, que em seu blog divide avaliações de moda e fotos extremamente artísticas e inspiradoras de sua vida pessoal, numa mistura de vanguarda e tendências contemporâneas.

Então, porque os chamados wardrobe remix blogs fazem tanto sucesso na atualidade? Fácil, existe uma aproximação com o público, não existe mais aquela muralha que separava os fãs da moda daquilo que era visto nas passarelas, como se o que estivesse lá devesse ser intocável e não utilizável. Eu vestiria (quase) TODAS as roupas de Pelayo e Juan. E a sutiliza, elegância e delicadeza de Gala Gonzales caem bem em qualquer garota descolada, moderna, sem parecer exagerada. Eles se tornaram mais que ícones, se tornaram referências, e o mercado esta absorvendo isso, porque referências aquilo que movimenta a moda.

A profissão/hobby de blogueiro de moda é uma das que mais vem se destacando no atual momento das redes sociais. Mas não é muito fácil. Você já imaginou uma blogueira de moda do Acre, por exemplo? Mas ela existe sim, e se duvidar possui a página mais visualizada do estado, embora não pelas próprias pessoas de sua cidade. Essa é Clara, dona do Zebra Trash, que segue a mesma linha dos outros wardrobe remix blogs. A garota que se intitula fã de moda, literatura, arquitetura e chocolate tem uma página bastante estilosa e já conquistou espaço em jornais e programas de TV.

Mas minha primeira lembrança com relação a Clara é quando ela foi citada no blog da Revista Capricho, As + Estilosas. Nos mais de 350 comentários Clara sofreu cyberbulling em muitos deles. Por quê? Talvez por ser do Acre, por ter um estilo que tenha que se adaptar a terras muito quentes, não as pradarias européias. As pessoas também gostam de valorizar aquilo que consideram superior a elas, não inferior. Na moda então, esse argumento fica ainda mais forte. Alguém aí ainda se lembra do episódio do Von Dutch? Pois é...

O francês Gilles Lipovetsky escreveu o ótimo livro (científico acadêmico, vale ressaltar), O Império do Efêmero. Nele, ele defende alguns pontos de vista interessantes, como a moda na construção da identidade, e a necessidade de expor e compartilhar essa identidade. E se você é mais um daqueles que odeia a moda por considerá-la ditadora, Lipovetsky defende exatamente o contrário, a moda possuindo um caráter libertário, um anúncio da democracia, mesmo num mar de elementos frívolos e efêmeros.

Sim, a moda é um império, que faz parte presencial na vida de todos do mundo ocidental e das sociedades modernas. Vale então a pena se sujeitar aos mandos e desmandos dessa corte por um destaque a mais nesse espaço? Ao que parece, a resposta é: sim!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A beleza do sangue e a poesia da violência


“Quando a sorte sorri para algo tão fugaz como a vingança, não só é uma prova ímpar de que Deus existe, mas de que cumprimos os seus desígnios”

Existe um momento em Kill Bill – Parte 2, que um dos atores que interpreta “uma figura paterna de Bill” descreve a reação do jovem assassino profissional em sua primeira vez no cinema vendo uma loira estonteante na tela: “Ele chupava o dedão compusivelmente enquanto apertava a aba da própria calça”. Poucas vezes na história do cinema, um momento descreveu tão bem como a sétima arte é capaz de influenciar a vida de uma pessoa. E esse momento estava nesse simples diálogo, nessa simples cena. E de longe, Kill Bill foi um dos filmes que mais marcou essa minha trajetória de paixão com o cinema.

Kill Bill é um marco. Porque pega a violência mais brutal e transforma em poesia. Para alguns, é uma das piores e mais pops obras de Quentin Tarantino, para mim é uma homenagem ao cinema grindhouse sem igual, que não existe nem em sua real tentativa de homenagem em Death Proof. Nunca o espirro de sangue foi tão belo e um desejo frenético por mais toma conta de quem assiste. No fim, a jornada do grupo de extermínio As Víboras Mortais pega um apanhado de elementos ocidentais para traduzir nossa real paixão pelos elementos orientais (o que para alguns soa como uma baita calúnia de seus conceitos reais de filosofia, mas fodam-se, é o que o povão quer), soando tão forte, que eleva Kill Bill a cinema e vira um clássico. E só o cinema tem esse poder, o de transformar a violência em beleza, espetáculo e admiração.

Um filme que tenta chegar perto disso e estreia em breve nos cinemas nacionais é Kick Ass, adaptação dos quadrinhos de Mark Millar e John Romita Jr. O filme já chega com um elemento incomparável: é melhor que seus quadrinhos. Sim, isso é verdade, eu li! Kick Ass traz a historia de um jovem bobão que após ler muitos comic books decide ser um super herói e so leva ferro. Mas, ele fica famoso pelo mesmo motivo que qualquer idiota fica famoso hoje em dia, pelas redes sociais (calma twitteiros, nesse caso é o Youtube e o, que Deus o tenha, MySpace). Porém, o que começa meio idiota, passa para uma trama de violência estética tão grande, que ganha todo o meu respeito.

O buraco é mais embaixo. Em seu caminho na tentativa de ser um herói, sem na verdade realizar grandes feitos, o jovem Kick Ass se torna inimigo de um poderoso mafioso e cruza seu caminho com a dupla Big Daddy e Hit Girl. E aí que a história começa a ficar boa. Nem mesmo Nicolas Cage conseguiu tirar a grandiosidade do personagem Big Daddy, um homem pertubado que transforma a própria filha de 13 anos em uma assassina extremamente poderosa e imabatível. E é com essa dupla que temos as melhores cenas de ação do ano. Sim, se você acha que Homem de Ferro 2 é a melhor adaptação de quadrinhos de 2010, saia fora, o premio vai para Kick Ass.

Mas e onde entra sangue e violência nessa historia mesmo? Ah sim, Kick Ass é censura RED, só maiores de 18 anos podem assistir. Sobram referências pop pra todos os lados, corpos explodem a todo instante e jorram palavrões e músicas empolgantes a todo momento. Todas as batalhas com Hit Girl são de uma empolgação medonha, mas é sua apresentação o que mais supreende, quando ela sozinha mutila e mata sem piedade uma gangue inteira. A banalização da violência chega então ao limite, onde, num filme para maiores de idade, temos três personagens menores de idade envolvidos em sangue, carnificina e morte em close. O que é Kick Ass então? Praticamente um Watchmen com crianças.

Sim, pois se Kick Ass também é mais uma afirmação de que hoje em dia, pra fazer sucesso com os adolescentes, tudo, até a violência, tem que ser com adolescentes protagonistas (Deus, Percey Jackson e Crepúsculo são os desastres de uma geração), Watchmen existe para mandar tudo isso tomar no cu e dizer: “Eu sou foda e vocês são lixo”. Esqueça o viadinho do Batman, o pamonha do Superman e o emo do Homem-Aranha. Watchmen não é um filme sobre super heróis fantásticos lutando contra vilões complexos. Watchmen te faz questionar o heroísmo. Afinal, é aceitável que um homem saia encapuzado pelas ruas da cidade, cheio de apetrechos esquisitos, espancando pessoas e fazendo justiça com as próprias mãos?

Considero Wachmen o melhor filme de ação de 2009. Tanto em sua HQ quanto em seu filme, temos uma tradução de como a sociedade assimilou a violência para si em sua cultura pop. A invasão da penitenciaria é o exemplo perfeito disso. Nossos olhos estão acostumados com a violência projetada, mais do que isso, estamos fascinados por elas em suas batalhas, sanguinolência, o despertar do nosso desejo de vingança e inconscientemente pedimos mais. E se você me contestar, mas gostar de algum filme do Quentin Tarantino, qualquer um, seus argumentos já são bem tolos, ou você não curtiu a cena final de Bastardos Inglórios, quando Aldo marca a suástica na testa do coronel nazista Hans Landa?

O cinema não só foi capaz de banalizar a violência, nos tornou admiradores dela.

E existe um filme em especial que representa isso da forma mais assustadora possível e ainda pode ser encontrado em duas versões. Seu nome? Deliciosamente sugestivo: Violência Gratuita.

Michael Haneke, diretor desse filme, é frequentemente chamado de gênio por alguns e completamente imbecil por uma grande maioria, por ter feito um dos filmes mais sádicos e malignos de todos os tempos. Sem brincadeira, Violência Gratuita, consegue ser o que muitos filmes tentam e não conseguem, repugnante, desconcertante, chocante e, principalmente, revoltante. Ele exige um preparo de você para acompanhá-lo, se não tiver, você vai se perder no caminho.

A trama é razoavelmente simples e a produção levemente estilosa, um tom clássico e bom gosto minimalista. Família feliz vai pra casa de campo, dois belos e educados jovens pedem ovos, os jovens quebram a perna do pai, seqüestra a família dentro da própria casa e começa uma tortura física e psicológica angustiante e tenebrosa. O filme é um exercício de cinema. E uma interessante discussão do papel e dos limites da ficção, da cumplicidade do espectador. Inclusive, no final do filme, os personagens discutem textualmente sobre a ficção como um correspondente do real. That’s the point!

O tenebroso e violento (droga, redundância) Violência Gratuita realiza uma discussão com os seus espectadores (sem precisar discutir na verdade, só usa suas cenas pra isso) sobre limites e que a arte pode colocar dentro da sua vida o mal como algo simples, cotidiano, corriqueiro e admirável. Sim, pois quando a família sequestrada pergunta: “Por que vocês estão fazendo isso?”, um dos jovens, com um olhar cínico, e representando naquele momento toda a derrota do bom senso da sociedade pelos meios de entretenimento, resultando na banalização da violência responde: “Não há motivo”.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Da infância para a juventude, da juventude para a vida adulta, da vida adulta para um punhado de pó...

"Torna-te quem tu és, então deixas de ser..."

Eu tenho um relacionamento particularmente estranho com livros sobre rituais de passagem emocionais e físicos. E quando eu digo estranho, é como se nós nos encontrássemos em um beco escuro de madrugada, para fumar crack. Então daí você tira o nível da coisa. Talvez pelo fato, principalmente, de que esse tipo de literatura é bem raro de encontrar no Brasil, e o máximo que você encontra em destaque sejam os livretos da série Gossip Girl ao lado do Diário de Um Banana, o que também demonstra a visível falta de non sense dos editores brasileiros.

Aliás, o problema está principalmente nos escritores brasileiros. Quantos vocês conhecem que se dedicam a falar de rituais de passagem? Poucos. E rituais de passagem na juventude? Quase zero. E quando isso raramente acontece, somos presenteados com grandes porcarias que viram marco de uma geração, como o desprezível O Terceiro Travesseiro (que deve virar filme em breve). Eu já estava quase desistindo da literatura nacional nesse quesito, quando encontrei um ser que me fez repensar na esperança desse tipo de trabalho: Santiago Nazarian, e um livro particularmente em especial, O Prédio, o Tédio, e o Menino Cego.

7 garotos vivem num prédio inclinado. 7 meninos, completamente diferentes um do outro e amigos. Temos o Andrógino, o Gordo, o Negro, o Junkie, o Atleta, o Mestiço e o Narciso Vesgo. E numa trama metafórica e onde os detalhes são que fazem desse livro um grande livro, somos apresentados a uma visão única e fascinante da passagem da infância para a adolescência. Onde a representação desse momento se dá, na verdade, durante o assassinato de cada um desses garotos por uma professora serial killer.

Afinal, é nos nossos rituais de passagem que mais nos sentimos incompreendidos, deslocados, sem um lugar que nos acolha. Nos sentimos revoltados, idiotas, únicos, iguais. É de um momento de transição de uma fase da vida para outra que surgem medos, incertezas, e seu futuro se baseia fortemente no resultado final de tudo isso. É como se fosse um vestibular, se você faz as escolhas certas, segue bem, se faz as escolhas erradas, se dá muito mal. E o mais interessante de tudo, nós sempre entendemos só o NOSSO momento de transição, dificilmente os dos OUTROS. Olhar de fora uma fase de transição é menosprezá-la, como um pai ausente que não suporta ver o filho chegar à complicada fase da adolescência.

O livro tem umas particularidades interessantes, principalmente se você já conhece o autor e leu outros livros dele como A Morte Sem Nome ou Mastigando Humanos (esse último também muito bom). Nazarian faz duras críticas ao sistema de ensino e ao modo como a literatura é tratada no Brasil. Tudo isso com uma pitada de ironia e acidez um tanto exagerada para os padrões conhecidos. Mas é no desenvolvimento de seus personagens, perante uma cidade imaginária onde alguns bairros são tomados por zumbis e o mar congela e recua, que mais fascina. Porque por um momento, todos fomos crianças, e é no retrato de seus personagens que lembramos desse momento em que deixamos, principalmente, de ser uma.

Ok, o livro não é perfeito. Se alonga um tanto sobre o fascínio do próprio autor sobre a assassina/professora Regina e tem seus últimos parágrafos iguais aos outros livros dele, broxante após um ápice extraordinário seguido da inesquecível frase: “Como é difícil matar com estilo”. Mas vale muito a pena, além de nos levantar um questionamento: “É possível entender a juventude, sem ser jovem?”. Essa é uma questão que nem mesmo Santiago Nazarian pode responder, então vamos procurar um pouco lá fora.

Aos 16 anos eu me encantei pela crítica de um livro (negativa, diga-se de passagem) publicada na Revista Época. Pela imensa dificuldade de achar os livros que eu sempre me interesso aqui pelo estado eu só consegui comprá-lo aos 17, pela internet. E após lê-lo DUAS vezes, ele se tornou o meu livro favorito, Hell Paris – 75016, de Lolita Pille. Muito criticado e de pouco reconhecimento literário, trata de um tema que eu sempre achei pouco abordado em palavras, o vazio existencial da juventude moderna.

Hell causou uma mudança muito brusca no meu gosto literário. Eu passei a ter um fascínio pela literatura de vazio existencial, de decadência humana, de uma apresentação fria e crua das realidades do mundo e não de uma apresentação poética e superficial de situações que muitos de nós vivemos e não sabemos observar como realmente são. Pois ali há medos, de perdas, de incompreenções, da morte... sim, porque todos temos medo da morte, principalmente em nossos momentos de transição. Ninguém está preparado pra morte. E como disse Lolita, “se os ricos não são felizes, então a felicidade não existe”. E morrer sem ser feliz? Que medo, não?

Tenho uma paixão por livros que representam um retrato da juventude de seu tempo. Obviamente, esse tipo de literatura ficou bem marcante e ganhou um chute inicial com o clássico O Apanhador no Campo de Centeio, mas os melhores estão dos anos 80 pra cá. Bret Easton Ellis escreveu Abaixo de Zero, e que marcou sua carreira, tendo moldes parecido com o livro de Salingir. Aliás, Bret escreveu As Regras da Atração que como filme ganhou espaço na minha lista de favoritos, com uma interessante trama de decadentes jovens americanos universitários, sem caminhos para seguir e se entregando a futuros incertos e amedrontadores a um passo da “vida adulta”.

Pra não ficar só no campo da literatura quando o assunto é retratar a juventude, vamos agora pra Inglaterra, focar numa das melhores séries produzidas por lá sobre a juventude, Skins. A série já tem 4 temporadas fechadas e futuro relativamente incerto depois de um final razoavelmente ruim. Mas eu nem focarei a 3ª e 4ª temporada (boas, mas fracas) e sim a 1ª e 2ª, que realmente valem a pena.

Em resumo, Skins tem, no geral, uma curta temporada de no máximo 12 episódios. E nos primeiros 6 episódios, há sempre uma regra: chocar! É sempre assim em todas as temporadas,você leva uma porrada de jovens ingleses se afogando em drogas, bebida, festas e muita, muita droga e sexo. Parece fútil, mas (numa regra não oficial) a partir do 7º episódio, Skins mostra realmente à que veio, mostrar de forma “semi-metafórica”, que todo adolescente é um coração tentando se encontrar. E é numa trama extremamente rica, que se você é jovem, se identifica, se não é mais, se lembra. E o grande feito de Skins é esse, nos lembrar que estamos eternamente procurando um objetivo perante a sociedade: nos encaixar!
A juventude como ela é, como foi, como será...

terça-feira, 6 de abril de 2010

Só porque você é bom numa coisa, não significa (necessariamente) que você será bom em outra

Multi-talento. Ou você tem ou você não tem. E acredite quando eu falar isso, vai doer, você pode não gostar, você possivelmente irá até parar de ler esse texto, mas, você dificilmente tem isso. Afinal, existe genialidade ou esforço? Eu acredito acima de tudo no esforço. Mas ai de vez em quando aparecem uns filhos da puta que quebram essa imagem (confortante) que a gente tenta manter pra si mesmo de que não existe genialidade. Tipo Albert Einstein para a física, Chris Garneau para o piano, Coco Chanel para a moda, Faustão para programas de auditório (oi, ironia nessa última tá?)...

Enfim. Existem sim pessoas que representam a raríssima diferença entre o esforço e a genialidade. E existem sim as pessoas que de tão esforçadas, parecem gênios, mas que no fim a gente descobre que são na verdade apenas muito esforçados. E um desses “alguéns” é Tim Burton.

Resumindo tudo o que irei falar em breve: Alice no País das Maravilhas, última obra de Tim Burton, é uma droga! Talvez esse seja o pior filme do diretor nos últimos dez anos, superando bastante A Fantástica Fábrica de Chocolates (que não é ruim, nem de longe, só não é exatamente... bom). Alice como filme não peca pelo fato de ser um filme ruim, quem peca é Tim Burton. Por quê? Simples, porque Tim Burton não é Lewis Carroll.

Alice no País das Maravilhas deve ser (junto com Peter Pan), uma das melhores estórias infantis do mundo ocidental. Carregada de uma fantasia nunca antes imaginada, de uma surrealidade grostesca, intimista e até mesmo, estranhamente intimidadora. Sim, pois em tempos de “falso moralismo” e do politicamente correto que proíbe ate uma criança de ser vilã numa novela FICCIONAL sobre argumentos tolos (no Brasil, Poltergeist nunca poderia ser filmado), Alice (o livro) possui flores preconceituosas, uma rainha assassina, um chapeleiro louco, mas louco mesmo, do tipo que não sabemos prever as atitudes, jogos e enigmas matemáticos e uma lagarta que fuma.

E ainda assim, é uma obra primorosa, uma viagem de fantasia com elementos reais, fantasiosos e a mistura absurda que eles conseguiram gerar. Acima de tudo, Alice é uma representação da passagem da infância pela juventude, que assim como toda fase de transição, é marcada por perdas e ganhos.

E o mais bizarro de tudo? Lewis Carroll era um matemático, que escrevia estórias infantis e enigmas para crianças no tempo livre. Gênio? (As acusações de pedófilo contam?)

E por que o filme é ruim? Obviamente, seu roteiro é seu gigantesco defeito. A começar pela tentativa frustrada de se criar uma continuação do livro. Sim, porque agora Alice tem 17 anos, está prestes a se casar, não quer, foge e acaba caindo novamente no País das Maravilhas, dominado então pela Rainha Vermelha. Tenta ser um novo ritual de passagem, da juventude para a vida adulta dessa vez, mas sem a mesma fórmula (sem trocadilhos) criada por Carroll.

Personagens novos são acrescentados, o braço direito da Rainha Vermelha, a Rainha Branca (?) e um dragão (????). Até imagino os produtores da Disney: “Isso, claro, tem que ter um dragão, vai ficar ótimo, Carroll foi um burro por não colocar um dragão no livro.” Mas claro, o pecado maior é a mudança do estilo dos personagens. Concordo o tempo todo com a Lagarta Azul: “Você não é A é Alice”. E vou além, o Gato não é o Gato e Chapeleiro Louco não é o Chapeleiro Louco, que independente da fantástica caracterização e atuação de Jhonny Depp, foi transformado num personagem tímido, emocional e estampando sofrimento no rosto do começo ao fim.

O melhor personagem é a Rainha Vermelha, o que (talvez) vale a pena. Seu momento com o porco é hilário, sua cabeça mais hilária ainda. Quanto menos personagens ao redor dela, melhor a cena, o que infelizmente acontece pouco. Mas ainda não o suficiente para deixar fora do óbvio a fraca trilha sonora (outro grande pecado) e ritmo fraco, além dos clichês e reviravoltas sem muitas surpresas.

É Tim Burton, você não é um gênio, é um esforçado, e da próxima vez, se esforce mais.

Agora, Tom Ford... Como eu classifico você?

Lembro de Ford sempre por dois motivos, a revitalização a frente da Gucci por dez anos, e a entrevista histórica que ele deu pra revista Out. O cara é um ícone. O cara é foda. Aí ele resolve fazer um filme e eu penso: “Vai dar merda!”. Felizmente, eu estava completamente errado.

Direito de Amar (tradução mais ridícula impossível de A Single Man) é de um primor como poucos filmes são capazes de ser, obviamente, um show (ou luxo?) na parte estética (porra, o filme é do Tom Ford), mas não é um filme que gera frases do tipo “ah, tinha uma fotografia perfeita”, Direito de Amar é sim, um conjunto de obra magnífico.

O filme é puramente imagem. Por momentos, os diálogos se tornam quase desnecessários, mas ao abrir da boca dos personagens, ele se mostram complementares. Os closes, a angulação sempre ideal. Cinema como se fazia antigamente, não essa avacalhação de milhares de cortes e ângulos “ousados”, que na verdade são uma onda desfocada e tremida (tenho nojo de Colateral, aquele com o Tom Cruise, até hoje). E a trilha sonora deliciosa, ocupa lugar de destaque no meu iTunes e duvido que sairá de lá tão cedo, com um carinho especial nas composições de Abel Korzeniowski.

No roteiro despretensioso, o filme é baseado em um romance semiautobiográfico de Christopher Isherwood, polêmico ao ser lançado em 1964. A sinopse percorre um dia de um professor universitário, homossexual, que passa todo o tempo digerindo a morte do companheiro, com quem viveu por 16 anos. É um dia bem longo (pro professor, pra gente é curto), num transbordamento de dores e emoções, em uma narrativa não linear, cheia de flahsbacks, que não importa se o personagem de Colin Firth (atuação brilhante, digna de Oscar) é homossexual, isso é o menos importante, pois o sentimento é universal, e o modo como ele é transmitido além da tela é exato perante essa premissa.

Tudo sempre cercado pela estética de Ford. Em cada detalhe, em cada centímetro de tecido, na escolha da armação do óculos (um detalhe absurdo que faz toda a diferença), na curiosa escolha do nó windsor para a gravata. Ford, acho que é cedo para lhe chamar de gênio, faça mais alguns filmes, por favor.

E eu sei que eu deveria parar por aqui, mas de fato, esse texto não está mais focado em cinema, mas sim em EsforçoXGenialidade.

Tive o prazer de percorrer a mostra Andy Warhol, Mr. America. Foram quase 1h de fila, sol na cara, e ainda ter perdido tempo no prédio errado. Mas ver o trabalho do homem que marcou os anos 60 e foi capaz de democratizar o consumo e ser um dos precursores da massificação da cultura pop valeu muito a pena. Quem estiver em São Paulo DEVE ver essa exposição não importa a profissão, o interesse. O motivo é simples: 1) você vai se ver lá, porque o seu modo de pensar e agir, aliás, o de toda a nossa sociedade, foi em parte formado por esse artista; e 2) os questionamentos de sua arte estão ai até hoje.

Sim, porque olhar as ob ras de Warhol e não se questionar é não sacar parte daquilo que você é. Não é a toa que vem dele a citação: “Ela me perguntou o que eu mais amava. Foi então que eu comecei a pintar dinheiro”. Então, se existem gênios ou não, isso talvez ainda seja uma incógnita, mas a lição que eu tirei dessa exposição é que se eles deixam uma marca, sem dúvida ela é justamente a de nos fazer sempre nos questionar com suas obras, não importa quanto tempo de sua origem tenha passado.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Um conto de inverdades

Éramos três grandes amigos. Desde crianças, jovens e agora naquela fase que nunca sabíamos o que realmente éramos ou simplesmente tínhamos medo de admitir o que somos. Sim, pois durante uma grande fase da vida, que só mais tarde perceberemos que foi pequena, nunca sabemos dizer se somos jovens, adultos, se não queremos ser um ou não querermos ser os outros. Enfim, éramos três grandes amigos e no final, isso é o que realmente conta.

E como grandes amigos, estávamos exatamente naquela fase em que grandes amigos não parecem ser tão grandes assim. A última vez que saímos juntos foi há seis meses e eu realmente não tinha muita idéia do que todos estavam fazendo naquele momento. Até o dia que F me liga, e primeiro eu fico surpreso, depois eu fico nervoso. F não tem o costume de me ligar, se assim o fez, era por um motivo drástico. E assim ouvi sua voz do outro lado da linha.

S está com problemas. Aliás, ele está com vários problemas, mas o principal, que resulta nos outros é só um. Ele e B acabaram.”

Pronto, ai estava o motivo drástico.

“Deus, como assim?”

“Sei lá, K. Ciúmes, desgaste, alguma coisa assim. Mas já era, acabou. Só sei que nós iremos sair hoje. Porque ele precisa de nós e vamos tirá-lo dessa fossa.”

E eu desligo confirmando e confuso. S e B eram inseparáveis, se amavam, se idolatravam, se cuidavam. Eram um tipo de exemplo que todos ou 1)se inspiravam para ter um igual, ou 2)invejavam porque nunca teriam um igual. Mas tudo nasce, cresce, morre. Já F não. Era um inveterado boêmio, de noites descontroladas e dias cobertos com cortinas para que pudesse dormir. E no entre os dois, lá estava eu, como um meio termo, num triângulo amoroso em que nenhum era realmente parecido com nenhum.

A noite, F me pegou em casa, eu o cumprimentei e fomos até a casa de S pegá-lo para sair. Ele estava péssimo. Primeiro fizemos a linha “nada está acontecendo”, tudo esta lindo. Mas não demorou muito e F já foi puxando nomes que ele mesmo dissera que não iria pronunciar. Fazia discursos de como S estava preso demais a essa vida de casado, sem ser, de como era jovem ainda, sem ser tão jovem assim, tinha que curtir, beber, jogar, fuder.

E S só balançava a cabeça, e eu só balançava a cabeça se ele balançava.

Vamos para um bar. Bebemos, bebemos e bebemos mais um pouco. E depois caímos na balada. Então percebo que não sou mais um garotinho se descobrindo, que aquilo não é mais pra mim, que eu não deveria mais fazer parte desse mundo. Mas quem se importa? E eu bebo mais, e beijo, e falo o que nem me lembrarei, e beijo mais, já falei que bebi muito?

S começa a se soltar também, tímido no começo, ficando mais leve pro meio, bem soltinho no final. Nem parecia um fudido que acabara um relacionamento de 5 anos, que no nosso mundo queria dizer praticamente cinco décadas. E beija, e se diverte, sempre incentivado por F, seu mentor, seu guia.

F não tinha jeito. Era um caçador, um devorador de pecados, sem nenhuma culpa assimilava para si o que havia de mais luxuria. E ali eu tenho dois extremos se tornando um só. Como se S agora fosse um discípulo de F. Um discípulo da sacanagem, putaria, bebedeira e promiscuidade.

Porém, ali estão os olhos vazios de ambos. S, por estar perdido, tentando se encontrar perante o desmoronar do seu mundo junto a outrem que tanto ainda ama. E F, perdido num labirinto criado por si próprio do qual não conseguia sair, só andar em círculos.

Já amanhecia quando finalmente deixamos S em casa. Que meio bêbado, meio choroso, nos abraçou como uma criança abraça seus pais na hora de uma despedida.

“Obrigado por me salvarem, vocês são os melhores amigos que uma pessoa pode ter.”

F diz.

“Não sofra, pois serão assim as próximas noites da sua vida. Grandes, longas, intensas e vívidas.”

E eu só beijo ambos e concordo. Mas é quando S entra dentro de casa e eu vejo sua silhueta triste fechando a porta, que eu percebo que nada daquilo era verdade, que eu nunca deveria ter concordado com as palavras de F, que eu deveria ter me virado para S e falado.

“Grandes e longas, sim. Intensas e vívivas, nunca. Ela vai lhe causar dor e sofrimento num momento próximo. Nunca adiantará ter se deitado com milhares, se você não tem nada para compartilhar com apenas um. Durma, acorde, tome um bom banho, e vá atrás de B. Porque quando você está ao lado do seu amor, você não precisa de mais nada. Então se for pra se desgastar ao máximo por isso, se desgaste. Procure acima de tudo se encontrar, mesmo que não seja junto daquele que ama, mas acima de tudo, de si mesmo. Porque essa sim, é a opção que eu queria pra mim.”