quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Vamos falar de pornografia, mas de um jeito socialmente aceito e classificação Livre


Os novos heróis, por André Dahmer

Aquele que nunca teve contato com a pornografia que atire a primeira VHS da Brasileirinhas. Eu tive, você teve. Querendo ou não, se pararmos pra analisar, a pornografia audiovisual, por exemplo, acaba tendo um papel importante na descoberta sexual da maioria dos jovens principalmente do sexo masculino, devido às “necessidades” que surgem pelo corpo. Nas garotas, embora algumas tenham os mesmos objetivos dos rapazes, a pornografia acaba sendo também uma curiosidade.

Há quem tenha uma verdadeira fascínio pelo mundo da pornografia. E esses podem ser divididos em dois grupos: os mais afoitos (vulgarmente chamados de tarados), e aqueles que realmente encaram a produção como uma forma de arte e liberdade de expressão. E eu realmente tenho uma admiração pela pornografia/erotismo a ponto de pertencer ao segundo grupo.

E existem vários tipos de pornografia. A audiovisual é a mais famosa obviamente, ainda mais pela possibilidade mercadológica atual de se ter pornografia 24 horas por dia, 7 dias por semana, de graça, na internet. Já a literária é a mais “sofisticada”, chamada mais comumente de erótica. E existe aquela diferença drástica de que no audiovisual somos passivos e na literatura somos ativos. No vídeo só estamos vendo e “apreciando”, na literatura somos obrigado a fazer parte. Qual meu tipo favorito? Os dois sem predileção. Mas tenho um interesse um tanto quanto mais raro na visão por trás (ui!) do mundo pornográfico, aquilo que existe junto a um mundo que todos tem contato, mas quase ninguém admite.

Me lembro que quando criança mesmo eu assisti o polêmico filme O Povo Contra Larry Flynt (1996). Na excelente cinebiografia ambientada nos anos 70, temos Larry Flynt, dono de uma boate de strip tease que um dia lendo uma Playboy pensou: “As pessoas não compram essa revista para aprender a fazer martines, mas para ver mulheres nuas”.  Então ele criou a revista Hustler que foi um sucesso, onde expunha pornografia explícita. Resultado: Flynt se tornou um dos homens mais bem sucedidos do mercado editorial dos EUA vendendo aquilo que seu povo mais fingia odiar, pornô.

Obviamente, a história de vida de Flynt se torna mais incrível a partir do momento que ele teve que enfrentar a poderosa sociedade conservadora norte americana e mostrar que pornografia não é colocar homens e mulheres simplesmente fazendo sexo, mas é uma forma de liberdade de expressão. Se nos dias atuais a sociedade norte-americana ainda é vista como uma das mais (falsa) puritanas, imaginem só 40 anos atrás.

Mas ok, Flynt foi o cara e se hoje a indústria norte americana de pornografia rende 50 bilhões de dólares por ano (é muita foda, não?). Temos que dar parte do mérito pra ele, mas e os atores e atrizes? Eu sempre me questionei um pouco a vida de ator pornô e encaremos os fatos, a maioria dos homens ocidentais já se imaginou como um, é um fetiche. O filme Boogie Nights (que no Brasil ganhou o estranho título de Prazer Sem Limites) traz isso, a trajetória de um grupo de atores pornôs nos anos 70 e 80.

Mark Wahlberg, em seu primeiro papel de destaque, interpreta Eddie Addams que, devido ao tamanho avantajado de seu pênis, torna-se a estrela maior dos filmes de Jack Horner (Burt Reynolds), especialista nos chamados “filmes para adultos”. Só por aí já dá pra se mensurar o mérito de Anderson. Em momento algum, o filme faz qualquer gracejo ou lança um olhar nítido de censura sobre o mundo que está retratando. É um retrato dividido, que mistura o lado glamour, dinheiro, drogas e diversão com o mundo decadência, crise de identidade e desrespeito.

Boogie Nights é isso, uma forma de mostrar que escolher ser um ator pornô é na verdade uma profissão como qualquer outra, mas com uma verdade, uma cicatriz que será carregada pra vida inteira.

“Ah, mas você ta falando só de pornografia ficcional”, deve estar se questionando o querido leitor. Bem, indo um pouco pro campo da realidade (e melhor ainda, campo da realidade nacional), o minidocumentário Pornô dos Outros é simplesmente sensacional. Ele reúne alguns dos grandes nomes do pornô nacional em um banho de realidade. Dá pra tirar algumas frases sensacionais como: “Tá ali o iluminador com uma luz quente no seu rabo”, “Ai, foi tão bom apanhar, vocês nem imaginam”. Saca só!


Marcia Imperator (diva), Rogê Ferro, Vivi Fernandez, Victor Gaúcho (suspiro), Kim Mello e Pâmela Butt são um grupo a parte. Eles foram eles de verdade naquilo que fizeram. Fizeram porque precisavam, alguns fizeram porque gostaram, mas eles não querer mudar sua trajetória, não se tornaram pessoas piores ou melhores, e hoje, mesmo a maioria “aposentados” (encaremos os fatos, é uma profissão mais curta que jogador de futebol), estão aí seguindo suas vidas normalmente.

Já o mercado editorial pornográfico foi reaquecido recentemente por um best seller. A trilogia dos Cinquenta Tons de Cinza traz uma garota inocente, cheia de moral e ética que do nada vira o objeto de prazer sadomasoquista e bestial de um jovem sedutor bilionário. Embora válido na questão da libertação do pudor pela busca do prazer, 50 Tons é uma obra de baixo valor literário, que não dignifica de verdade o gênero, não a toa chamado de “Crepúsculo para mulheres de meia idade”.

Para os amantes de uma boa literatura que envolve a pornografia, eu recomendaria o clássico Fanny Hill, também conhecido como "Memórias de uma Mulher de Prazer" (gosto mais desse título). Clássico da literatura erótica, Fanny Hill tem amoralidade latente, fino senso de humor e ironia, e é uma divertida experiência literária cuja narrativa parece brincar com a moral e pensamento burguês de 1800, revelando certos aspectos marginais do Iluminismo. Viram como a chamada “putaria” pode se revelar uma forma de crítica social surpreendente? E vocês aí só imaginando sacanagem...

Outra obra que eu recomendo bastante é Os Sete Minutos, de Irving Wallace. Mas Os Sete não é uma obra realmente erótica, e sim uma grande discussão sobre o valor social e moral das obras eróticas. Com um estilo meio suspense/policial, traz a história de Michael Barret, advogado que assume a defesa de um livro considerado “obsceno” e alvo de um processo de censura por contrariar a lei penal da Califórnia. Pra piorar, um jovem chamado Jerry Griffith, cometeu um estupro supostamente influenciado pela leitura. Assim, estabelece-se a batalha na justiça, com Barret, brigando (em desvantagem, evidentemente) pela livre comercialização do livro. Com várias passagens sexuais e o aumento do suspense em sua parte final, Os Sete Minutos virou uma obra clássica.

Eu poderia parar pra recomendar também o livro Os Sonhos Morrem Primeiro, de Harold Robbins, mas encaremos os fatos, mesmo com forte status, esse foi um livro praticamente 50 Tons de Cinza na época. Embora eu considere a jornada do personagem Gareth pelo submundo obscuro dos prazeres proibidos e pela forma de ganhar dinheiro com pornografia infinitamente superior a obra do momento. Cada geração tem a obra erótica que merece pelo visto, mas me alegra que mesmo com a baixa qualidade, o erotismo/pornografia continua aí, firme e forte, porque se tem uma coisa que nunca sairá de moda entre os seres humanos, essa coisa se chama sexo.

Não, Dahmer, não...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Homenagem é na verdade a desculpa que você usa para ganhar algum lucro sobre algo que já esta consagrado

Pra vocês terem uma ideia, o último filme que eu assisti no cinema foi aquele A Filha do Mal. E eu fico muito feliz que minha mãe tenha pago o ingresso e meu sanduiche no Subway pelo simples fato de querer minha companhia. Sim, eu sou desses que se vende, to quase colocando uma placa nesse blog de: “Vendo opiniões. Preço barato!”, mas esse não é o objetivo desse texto. Enfim, fiquei feliz de não ter tido gastos porque eu odeio ter que gastar dinheiro com algo que eu já sei que não vou gostar e eu acertei em cheio. Mais um filme de exorcismo, mas um filme falso documentário, mais um filme ficcional que tenta vender a imagem de que é real. Enfim, ruim de doer.

Encaremos os fatos: criatividade é algo que anda em baixa hoje em dia quando o assunto é alguns dos elementos da cultura pop. Eu mesmo quase não vou mais ao cinema. Tem sido difícil acompanhar as superproduções tipo blockbuster porque a grande maioria virou uma sopa de mais do mesmo. De fato, a experimentação anda em baixa e o que faz sucesso ou já é algo pré-consagrado (os filmes mais aguardados de 2012 são Os Vingadores, o novo Batman e O Hobbit) ou algo que pega carona no sucesso, tanto faz se com a desculpa de homenagem, paródia ou plágio descarado (existe a produção de um filme bem idiota chamado Poder Sem Limites sobre adolescentes que ganham super poderes e que vão de heróis a bandidos em pouco tempo. Um beijo pra X-men).

E sabe o que mais surpreende hoje em dia? A audácia esta em um lugar que só vem a crescer depois de uma razoável queda: a TV.

A TV precisou se reinventar tanto, que hoje é a melhor produção de conteúdo audiovisual pop da atualidade. E não, nem a internet tem chegado perto do que a TV tem produzido, apenas pirateia seu conteúdo. Supere isso, o congresso americano superou. Ah, e pelo amor de Deus, se você desconfiou que eu to falando da TV brasileira, toma vergonha na cara. Obviamente eu estou falando das séries das TVs americanas e inglesas. Tem muita coisa boa no ar, novidades, mas hoje eu quero falar apenas especificamente de um ponto, de uma homenagem, a um dos personagens mais incríveis da literatura e que existe há mais de um século: Sherlock Holmes.

O personagem criado pelo médico e escritor Sir Arthur Conan Doyle é famoso mundialmente por ser apenas um grande investigador. Mas é sua personalidade aquilo que sempre mais me atraiu em sua concepção: arrogante, prepotente, frio, insensível e absurdamente genial, o que lhe transforma num alguém fascinante e irritante. E encaremos os fatos, nunca uma obra fora do seu próprio universo literário retratou Sherlock em sua exatidão (ate a famosa frase “Elementar, meu caro Watson”, nunca foi citada em um único livro, ela foi criada no teatro). Porém, um dia, a BBC resolveu produzir uma série para o personagem chamada Sherlock, com um diferencial que era o grande risco de tudo, trazer seus casos para o mundo contemporâneo. E quer saber o mais incrível? Deu certo como ninguém imaginou que iria dar.

A primeira temporada de Sherlock foi exibida pela BBC em julho de 2010, com apenas três episódios de 1h30 cada um. Monstruosamente, a segunda temporada só foi exibida em janeiro de 2012, longos 18 meses de espera. Pessoalmente, foi uma tortura esperar tanto. A superprodução britânica traz Benedict Cumberbatch no papel de um Sherlock tão bem personificado que ficamos entregues a atuação. Mas é a adaptação para os dias contemporâneos das história que mais nos surpreende, principalmente em seus detalhes. Dr. Watson como médico de guerra vindo do Afeganistão: confere. O irmão genial que trabalha para o Ministério da Defesa: confere. A rua, a casa e a locatária: confere. James Moriarty, consultor criminal e terrorista, o primeiro super vilão da literatura ocidental: confere.

Tudo é rondondinho em Sherlock, a trama, as revelações, as ligações, as amarras. Ate as piadas são boas, em particular as que fazem referência a Sherlock e Watson como casal gay. O cinismo do personagem esta sempre claro e chegar a irritar o telespectador. O gimmick envolvendo SMS é bem original, aliás, a paixão pela telefonia móvel é bem nítida pelo personagem. Os momentos forçados, e eles existem aos montes, são compensados pelas maestrias do roteiro e a dinâmica que nos faz precisar usar muita atenção para acompanhar tudo. Nunca considerei nenhuma série perfeita, mas Sherlock beira isso, a melhor já feita para a TV em minha opinião. Vem, deixa sua marca e vai embora, causando uma sede por mais que quase sufoca. A terceira temporada esta confirmada.


Em seus poucos seis episódios, dois são os que mais se destacam: A Scandal in Belgravia e The Reichenbach Fall, que respectivamente falam do caso de Sherlock envolvendo a única mulher que derrotou o detetive, a sensacional Irene Adler, interpretada com louvor por Laura Pulver, e o seguinte sobre o Desafio Final, proposto por Moriarty, que na série foi transformado num antagonista caricato, a versão maligna do próprio Sherlock, tão inteligente quanto doente mental. O final é marcante, pois assim como na literatura, o maior feito de Moriarty não é ser genial, maquiavélico e monstruoso, mas sim usar tudo isso para fazer de Sherlock um patinho e simplesmente superá-lo, a verdadeira queda.

Sherlock nunca foi tão bem homenageado como pela BBC. O mesmo não se pode dizer dos filmes...

O simples fato de Guy Ritchie querer transformar Sherlock Holmes em um super herói de ação que usa pancadaria praticamente o tempo inteiro fez seus dois filmes baseados no personagem darem errado e não foi pouco. O filme é bem mala, feito para divertir, e não usa muito daquilo que é o real potencial do personagem. Aliás, esse Sherlock tenta ser ate cativante e o Watson em questão é menos “passivo” do que o da literatura, já perdeu meu respeito aí. Mero entretenimento para se ganhar dinheiro na bilheteria, não uma homenagem.

Vale lembrar que até o Jô Soares tentou se dar bem com o detetive mais famoso do mundo e escreveu o livro, O Xangô de Baker Street, que é ruim de doer. Seria bom se fosse qualquer outro detetive, mas se apropriar da imagem de Sherlock sem realmente usar essa imagem não deu certo. Completamente surreal essa ideia da vinda de Sherlock e Watson para o Brasil na época do império para resolver um caso e enfrentar grandes inimigos: feijoadas, caipirinhas, vatapás, pais de santo e o poder de sedução das mulatas locais.

Quer um filme maravilhoso de Sherlock Holmes? Assista, O Enigma da Pirâmide que tem todos os ingredientes de uma aventura despretensiosa, divertida e inteligente para o público jovem, diferente das bostas produzidas pra juventudes hoje em dia (e olha que Crepúsculo deixou de ser alvo do meu ódio para mirar em Jogos Vorazes). O filme, uma fantasia que deu certo, mostra como o detetive Sherlock Holmes e o fiel escudeiro Watson teriam se conhecido no colégio interno, quando ambos eram estudantes (coisas que NÃO existe na literatura). Já no primeiro encontro entre eles temos a cena de Holmes dando uma amostra vívida do seu famoso raciocínio lógico, descobrindo não apenas o nome do novo colega de classe, mas também a origem do rapaz, a profissão do pai dele e até os gostos culinários. Uma trama de mistério muito bacana e ambientada belamente na Londres vitoriana com o selo Steven Spielberg de qualidade.


É interessante ver como um personagem de 150 anos ainda mexe tanto com o imaginário popular. Os livros e contos podem parecer um pouco defasados se vistos pela lógica dos dias atuais, mas a capacidade de dedução de Sherlock sempre foi apaixonante e contaminou o mundo, resultando num momento máximo de homenagens, mesmo que algumas sejam simplesmente oportunismo barato... que gera uma boa grana em bilheterias, mas barato do mesmo jeito.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Os 10 melhores filmes de 2011 que você NÃO assistiu

E pelo quarto ano consecutivo, esse que vos escreve encerra mais uma temporada (ultra fraca, to pior que Dexter) desse humilde blog, com a tradicional lista dos 10 melhores filmes de 2011 que você na verdade não assistiu. Embora tenha esse nome, você possivelmente pode ter assistido algum desses filmes, é apenas uma brincadeira para divulgar filmes não comerciais de destaque internacional e obras que merecem ser vistas mas não tiveram lá tanto marketing.

E 2011 foi definitivamente o ano do drama. Não to falando do típico drama que se faz no Twitter e Facebook, mas realmente do gênero cinematográfico que era um dos mais caídos nos últimos anos de tão desgastados. Agora, a lista desse ano encabeça simplesmente oito dramas, sendo que a novidade é de pela primeira vez termos uma comédia em quatro anos.

Foi definitivamente um ano fraco para o cinema experimental, obras que ousassem sair dos padrões contemporâneos. Os diretores simplesmente se acomodaram, resolveram apostar no certo e passar longe do duvidoso. Assim, o cinema se perde um pouco mais, mas ainda se encontra, nesse eterno processo de realizações. Foi uma lista difícil de fazer (esta ficando pior a cada ano), portanto, divirtam-se.

Obs: nem todos os filmes citados foram produzidos e lançados em seus países de origem em 2011, mas a repercussão internacional e principalmente dentro do Brasil, foi esse ano.

10° Lugar: Feliz que minha mãe esta viva (Je suis heureux que ma mère soit vivante – França)
A família é uma estrutura. E como toda estrutura emocional, existem pessoas que não são capazes de suportá-la. Talvez essa seja a premissa de Feliz que minha mãe este viva, filme francês baseado em fatos reais que conta a história de Thomas, jovem abandonado pela mãe, adotado junto com o irmão mais novo por um casal, mas que nunca superou esse trauma. A primeira cena do filme é uma metáfora, temos ali na praia Thomas nadando e o pai adotivo atrás, que não consegue alcança-lo. Será assim a vida inteira. Descontrói-se a história fofinha do amor pelos filhos adotivos, não é bem assim. Thomas é um inconformado e por isso vai atrás de sua mãe verdadeira, ate encontra-la e descobrir que ela é tão inconformada quanto ele, não por ter abandonado os filhos, mas pela vida que sempre teve. É um filme sobre a família, mas é um filme frio. Não porque é ruim, mas a frieza é seu estilo. A única felicidade na vida de Thomas foi descobrir que sua mãe esta viva, mas o que torna o filme inesquecível é justamente o momento em que Thomas percebe que a vida dela é justamente aquilo que prejudica a sua.

9° Lugar: Tarde Demais (Beautiful Boy – Estados Unidos)
Os eventos monstruosos que aconteceram em Columbine, nos Estados Unidos, geraram duas coisas: 1) uma série de novos eventos inspirados no mesmo, e 2) uma série de livros e documentários inspirados no mesmo. No meio da segunda opção encontramos o excelente Tiros em Columbine e o medíocre Elefante. Beatiful Boy segue essa linha de produção, mas de uma ótica diferente. É impossível se manter indiferente nesse filme. Ele escorre tristeza, sem luz no fim do túnel, de seu começo ao fim. A obra pega uma outra linha, como fica a vida do casal Bill e Kate, pais de Sam, garoto que em seu primeiro ano de faculdade entrou no campus, matou 17 pessoas e se matou com um tiro logo depois. O caos passa a reinar na vida do casal, que já se preparava para se separar, e é atingido por um baque sem tamanho. Eles são culpados? Por que o filho fez aquilo? Interessante em Tarde Demais é que essas respostas não são dadas. O filme foca apenas essa desestruturação, essa dor causada. Mais seu ponto alto é justamente mostrar que a tão famosa frase “A vida continua”, que tantos usam para se enganar, nem sempre funciona. Existem eventos que aniquilam qualquer funcionalidade dessa pequena oração, seu filho que você tanto ama matar várias pessoas e se matar logo em seguida é um deles.

8° Lugar: O Barco do Rock (The Boat That Rocked – Inglaterra)
Existe a lenda de que os opostos se atraem, depois aquela de que os dispostos é que se atraem. Balela pros dois. As vezes o que gera amor e liga as pessoas pode ser um único ponto em comum. E no caso de O Barco do Rock, esse ponto é a música. E música muito boa, diga-se de passagem. A história fala-nos das tão famosas rádios piratas da década de 60 na Inglaterra, o melhor do rock britânico, um pouco censuradas pelas rádios da BBC que se limitavam a transmitir duas horas semanais de rock (?). Somos então levados a um barco onde funciona uma destas rádios, com oito DJ’s que se encarregam de espalhar o caos das músicas frenéticas da tão afamada década, e onde um jovem, a ordem da mãe, em consequência de ter sido expulso da escola, se junta a eles e adquire este estilo de vida um pouco libertino, cujo lema era sexo, drogas e rock’n’roll. O sensacional filme junta uma série de situações hilárias e bizarras. É uma comédia, de auto nível. A quantidade de tramas paralelas é de se perder na conta, mas o filme decai ao ser mais longo do que deveria e por seu final um tanto quanto forçado. Mais do que um retrato ficcional de uma época interessantíssima, O Barco do Rock mostra que podemos fazer algo realmente bom e fora dos padrões quando queremos.

7° Lugar: Tomboy (Tomboy – França)
Me surpreendeu que Tomboy tenha sido o filme gay mais aclamado do ano. Não que seja ruim, mas eu particularmente não considero sua temática exatamente gay. É um filme que fala principalmente sobre identidade, e embora a militância LGBT faça questão de usar essa palavra na defesa de seus direitos, a questão da identidade pessoal é algo que atinge a todos, indiferente a opção sexual. Em Tomboy temos Laura, uma menina que surpreende os desavisados do filme por parecer um garoto. Após se mudar com a família, ela resolve fazer novas amizades com as crianças do condomínio, assumindo primeiramente uma nova identidade, surge então Michel. E é isso, Laura é uma menina que quer ser um menino. O filme ao contrário do que sugere, não é ousado, não é pesado. É doce, é divertido, é emotivo. Temos essa obrigação de Laura em ter que amadurecer, mesmo ela sendo apenas uma miudinha. Temos o incrível momento em que sua irmã mais nova descobre, ameaça contar, e tudo parece uma cena de adultos, ate que Laura compra seu silêncio e pensamos: “Porra, são só crianças”, para depois sermos pegos pela linda cena de aceitação da mais nova na mesa de jantar. É um filme sobre crianças sendo crianças, de como elas podem ser maravilhosas e as vezes cruéis, mas acima de tudo, toda criança é sincera.

6° Lugar: O Palhaço (Brasil)
O maior feito de O Palhaço é justamente o de não parecer um filme brasileiro. E não falo pelo status da produção delicada, do roteiro cheio de pequenos detalhes, da direção de arte caprichada, mas pelo simples fato de que é um filme simples, sem a pretensão de mudar o mundo ou ser gigante, megalomaníaco, suprassumo da brasilidade. No filme, o palhaço Benjamin, que comanda o pequeno circo que passa de cidade em cidade, esta em crise de identidade. Enquanto todos ao seu redor estão em harmonia em seus laços - o casal de acrobatas, os irmãos músicos, o ilusionista e sua filha - o palhaço conversa pouco com seu pai, também palhaço e dono do picadeiro. Existe algo incomodando Benjamin em O Palhaço, e não parece ser somente a pressão para comprar um ventilador novo para a namorada do pai, Lola, a estonteante dançarina do circo. É um filme igual vinho, em que cada situação é um gole e todas merecem ser bem degustadas. É um filme que estimula a auto descoberta. Naquela velha piada do palhaço depressivo que vai ao consultório médico e recebe como receita ver a si mesmo, O Palhaço mostra que o ideal as vezes não é estar no palco, mas por um momento simplesmente ser público desse picadeiro que é a vida.

5° Lugar: Submarine (Submarine – Inglaterra)
É meio triste ver Submarine passando como comédia indie por todos os festivais que vai. Não é só isso. Aliás, Submarine tem a capacidade de nos fazer rir várias vezes, mas todos esses sorrisos vem acompanhado de um travamento, um misto de vergonha alheia. Submarine conta a história de Oliver Tate, um garoto de quinze anos que passa por um momento conturbado ao se apaixonar pela primeira vez, enquanto paralelamente vive uma situação complicada em sua casa, com o relacionamento abalado dos seus pais. É de longe um dos filmes mais bizarros que assisti pelo fato de TODOS os seus personagens serem/terem comportamentos bizarros. O próprio Oliver acha que o mundo gira ao seu redor sendo que na verdade ele é um grande looser. Sua namorada, Jordana, é durona e completamente sem preceitos de moralidade. Seus pais são simplesmente medonhos, eu não sei como ele mora com eles. Coloque situações cada vez mais surreais na história e temos uma tragicomédia bem esquisita aqui. A verdade é que todos ali são um submarino, sem vontade nenhuma de emergir das águas e revelar suas verdadeiras faces, assim como todos nós nos comportamos alguma vez na vida, principalmente quando temos 15 anos.

4° Lugar: Toast (Toast – Inglaterra)
Um garoto de nove anos começa a desenvolver uma paixão pela culinária como nunca se viu. O que soa absurdamente estranho porque sua mãe é uma péssima cozinheira e só come enlatados e torradas, já seu pai é a grosseria em pessoa. E é focando esse amor entre pessoas e comidas que a história se desenrola. O sonho de Nigel é aprender a cozinhar, mas a morte prematura de sua mãe deixa um vazio gigante em seu coração. Após o luto, seu pai casa-se novamente com uma excelente cozinheira. É quando começa então uma batalha na cozinha. Nigel (já adolescente) tenta conquistar o amor de seu pai assim como a madastra fez, pelo estômago. É uma história de amor simples, mas que funciona tão docemente quanto um merengue de limão bem feito, o amor de um filho por seu pai e o amor de um jovem rapaz pela arte de cozinhar. É sensível por mostrar rupturas e um ritual de passagem importante, justamente aqueles que poucos fazem, o de virar as costas para tudo e seguir em frente justamente para preservar seus sonhos.

3° Lugar: Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires – Canadá)
Xavier Dolan escreveu, dirigiu e atuou nesse filme... aos 20 anos. Pra piorar, o ótimo Eu Matei Minha Mãe, seu primeiro filme e grande sucesso, foi produzido por ele aos 17 anos. É revoltante tanto talento! Amores Imaginários, seu segundo filme, beira a perfeição em alguns pontos, entre eles o de fotografia, produção, cenografia, trilha sonora e figurino (eu quero uma certa camisa cor tangerina desde que assisti). As atuações são ótimas, mas é justamente o seu enredo que cria uma relação de amor e ódio ao mesmo tempo com a película. Xavier Dolan explora o emocional com tanta delicadeza que torna a identificação um diferencial para a experiência cinematográfica. Na história, temos a paixão platônica de Marie e de seu melhor amigo gay, Francis, pela mesma pessoa, o belo Nicolas. Começa então uma amizade com os dois e, no decorrer das semanas, Nicolas mostra-se tão enigmático quanto no primeiro dia, sem demonstrar qualquer pista de sua orientação sexual, ora flertando com a garota, ora com o garoto. A partir daí, nasce uma rivalidade que coloca em jogo a amizade entre os três. Paralelo, temos vídeos confessionais de pessoas que já fizeram loucuras por amor, assim como qualquer um de nós um dia já fez alguma.

2° Lugar: Confessions (Kokuhaku – Japão)
Com tantas reviravoltas num estilo que só o cinema japonês é capaz de criar, Confessions esta mais para um quebra-cabeça do que um drama. As mudanças de foco e a eterna dúvida de quem afinal é o protagonista dessa obra fazem desse filme uma obra prima oriental. A complexa trama nos engana em sua maior parte, apenas seu final arrasador é capaz de explicar tudo. Nela, temos uma professora que em seu último dia de aula, conta para sua incontrolável turma de alunos, como sua amada filha foi morta por dois alunos daquela mesma sala. Como vingança, ela resolveu colocar sangue contaminado com Aids no leite desses dois. Ela então revela o nome dos dois alunos e o caos começa. Isso tudo nos primeiros 20 minutos de filme. O desenrolar dos fatos nos leva a conhecer as duas perturbadas mentes doentias dos assassinos e que o plano de vingança da jovem professora vai muito além do ato de contaminar seus alunos. O melhor filme de vingança que assisti desde Kill Bill. Um suspense transcendente e com um final pertubador.

1° Lugar: Contracorrente (Contracorriente – Peru)
O cinema peruano nunca teve um grande destaque internacional. Contracorrente precisou de muita disposição para chegar aonde chegou. Para seu pior ou melhor, é um filme que não retrata realmente em quase nada a vida exclusiva do povo peruano, suas particularidades. De fato, poderia ter sido filmado em qualquer lugar da América Latina ou Central. Então qual seu maior mérito? É ser absurdamente tocante. Misturando elementos de Brockeback Mountain, Ghost e até do brasileiro Dona Flor e Seus Dois Maridos, o filme traz a história de Miguel, um pescador respeitado na vila onde mora e trabalha. Casado com Mariela, os dois estão prestes a ganhar o primeiro filho, mas ele vive um romance escondido com Santiago, artista chamado pelos moradores de Príncipe Encantado. A vida dupla de Miguel logo leva um baque com a morte de Santiago e o que parecia encerrar esse ciclo na verdade se aprofunda quando a alma de Santiago não se torna capaz de deixar a terra. Cheio de momentos preciosos, Contracorrente traz a tona vários questionamentos. Justamente aquele que enfoca a sexualidade de Miguel um é o menor deles. Valores como a família, ser você mesmo e enfrentar o retrógado são mais importantes. É um filme belo. Os mais sensíveis já começam a mergulhar em lágrimas lá por sua metade. Odiamos e amamos Miguel, o achamos um covarde, ao mesmo tempo que temos ali alguém que sofre tanto por ter perdido aquele que mais amou. Sofremos junto com Santiago que leva seus sentimentos no pós morte. Entendemos o lado de Mariela, a dor de se sentir traída, usada, enganada por aquele que ama. Não é perfeito, alguns atores do filme são fraquíssimos, não conseguem passar toda a carga dramática, mas o trio principal funciona bem. A fotografia é outra arte, tem horas que parecemos contemplar um quadro, não um filme. No fim fica o efeito imediato. Contracorrente é um filme sobre emoções, sobre o amor, aquilo de bom que ele mais é capaz de fazer conosco, mas também aquilo que ele consegue nos machucar. Pois o amor infelizmente não é pra sempre, nem que ele só acabe após a morte.