A lista desse ano deveria na verdade se chamar “os 10
melhores filmes que eu assisti em 2014 e você não”, porque sendo bem sincero,
tem obras datadas de lançamento em 2013, 2012 e... 2011. Para os de 2012 e 2013
eu tenho até a desculpa de que no Brasil eles estiveram disponíveis apenas este
ano para apreciação fora de circuitos (acreditem, não é fácil encontrar alguns
filmes na internet e você precisa de paciência de Jedi pra ter uma boa cópia
legendada). Já esse de 2011 foi resultado de notável lapso por ele ser bem
desconhecido mesmo.
Esse ano temos países estreantes na lista como
Austrália, Grécia, Marrocos (é, naveguei pelos árabes) e Holanda. Mas não deu
outra, mais uma vez os japoneses ficaram no pódio (e olha que nem teve
Evangelion em 2014).
Embora a lista tenha esse nome, você possivelmente pode ter assistido alguns.
É apenas uma brincadeira para falar sobre filmes não tão comerciais de
destaque e obras que merecem ser vistas, mas não tiveram lá tanto
marketing. Ademais, espero que apreciem, curtam, critiquem e
compartilhem. A lista dá um trabalhão pra fazer, mas um prazer enorme.
10° lugar: O
Babadook (The Babadook – Austrália)
Película presente em diversos festivais de terror e com
estreia em circuito restrito no Brasil, The Babadook é notavelmente um filme de
pouco orçamento, mas feito com muita boa vontade. Na trama, Amalie leva uma
vida problemática ao lado do filho hiperativo Samuel. É mais difícil para ela
porque o filho é “responsável” pela morte do marido num acidente de carro
enquanto ele a levava para dar a luz. A princípio parece clichê: ao ler um
livro para o filho, Amalie se vê envolvida num terror psicológico em que não
sabe definir se esta enlouquecendo ou se a entidade Babadook é real. E esse
jogo que vai para o espectador é a melhor parte, porque o filme se torna
imprevisível e prende a atenção para sabermos o que realmente está acontecendo.
Esse terror é real afinal de contas? Destaque para a atuação do jovem Noah
Wiseman, que é natural e nada forçada.
9° lugar: O Garoto que Comia Alpiste (To agori troei to fagito tou
pouliou – Grécia)
Filme altamente introspectivo, O Garoto que Comia Alpiste é
uma autocrítica a um país que está à beira da falência apresentada através da
vida do jovem Yorgos, que funciona como uma alegoria da crise financeira de
toda a Europa. Yorgos é uma das facetas da depressão. Desempregado, sem
família, amigos ou amores, está completamente fora de círculos sociais. Ele se
alimenta do lixo dos outros e aos poucos vamos observando ele perder o pouco
que ainda tem. O filme é quase um monólogo, são cerca de apenas 15 diálogos,
não é para um grande público, mas é brilhante. A atuação assombrosa de seu
protagonista causa uma imersão na catástrofe que é sua vida pessoal, que não
possui nem mesmo uma perspectiva de melhora, nem meramente a de sobrevivência. É
um filme que retrata a absoluta miséria e a falta de esperança em uma geração
inteira de jovens europeus.
8° lugar: O Teorema Zero (The Zero Theorem – EUA)
Ficção científica capaz de dar um nó no cérebro, O Teorema
Zero, filme do mesmo diretor de Os 12 Macacos, não é para nos conectar com o
presente (como a maioria das ficções científicas), mas com a religião. Qohen
Leth é um operário modelo da Mancom, corporação que "dá sentido às coisas
boas da vida". Mas Qohen vive atormentado à espera do Chamado, um
telefonema que supostamente lhe dirá o sentido de SUA vida. Procurado pelo
Comando da Mancom para desvendar o projeto Teorema Zero, o programador recebe,
em troca, a promessa de ter seus dilemas existenciais respondidos. Mais que uma
crítica genial a busca desenfreada pela felicidade plena e a infelicidade que
isso gera no caminho, a distopia tem um trabalho de direção de arte e metáforas
bizarras. Afinal, é um futuro, mas no trabalho se usam joysticks de Atari, o
fruto proibido do paraíso é na verdade Mélanie Thierry com roupas bem justinhas
e Deus nos vigia através de câmeras GoPro.
7° lugar: Coldwater (EUA)
Há poucas informações disponíveis acerca do filme Coldwater.
O que se sabe é que a primeira versão do roteiro data de 1999, quando o
roteirista Vincent Grashaw terminava o ensino médio. Talvez seja por isso que
num primeiro olhar a ideia do acampamento de detenção para jovens problemáticos
seja difícil de ser aceita hoje, mas era bem mais comum há pouco mais de uma
década nos EUA. No filme, após uma série de eventos trágicos, o jovem Brad é
internado pelos próprios pais em uma espécie de prisão juvenil isolada da
civilização, chamada Coldwater. No local, ele sofre diversas agressões dos
colegas e dos responsáveis pela direção, e começa a planejar a sua fuga. O
filme parece fraco até que a fuga em si acontece e Brad fracassa, depois a obra
toma um novo rumo quando Brad se vê fazendo parte do sistema que ele tanto quis
estar longe. Coldwater é sobre jogos psicológicos, sobre situações de bater ou
apanhar, sobreviver ou morrer. É sobre situações extremistas em que é
impossível estar em cima do muro e a decisão certa é essencial, mesmo que ela
não seja levada pela racionalidade. Com um final surpreendente, o filme é um
pequeno achado acerca de como afinal devemos tratar os jovens que a própria
sociedade torna em monstros para depois rejeitar.
6° lugar: Rock the Casbah (Marrocos)
Quem conhece meu gosto cinematográfico sabe que eu adoro
dramalhões familiares. Rock the Casbah não é exatamente o melhor deles. Aliás,
é uma comédia agridoce bastante clichezenta, mas com um diferencial
incontestável: mostra uma ponte de conflitos entre a tradicional cultura árabe
e o processo de ocidentalização que países mais “liberais” como o Marrocos
andam sofrendo. É uma mistureba doida: um filho contestador; a avó boazinha que
apoia o rebelde; os pobres em confronto com os ricos; o filho bastardo; e até a
velha história do irmão que se relaciona com uma mulher sem saber que, na
verdade, ela é a sua própria irmã. Tudo isso acontecendo ao mesmo tempo devido
a morte do patriarca da família, que obrigou a reunião de todos os seus
parentes, inclusive a filha que foi embora para os EUA e que sofre tentando ser
atriz, só conseguindo papéis de terrorista (e é dela a perspectiva que temos). Fotografia
e cenografia bonitas. Música bem escolhida. Durante um passeio com um velho Mustang
admirando a cidade, toca uma música brasileira. Rock the Casbah tem pequenos
momentos deliciosos para admirar um mundo que não é o nosso. Peca imensamente
em tentar nos fazer rir e chorar ao mesmo tempo. Não consegue. Mas ainda assim
nos deixa exatamente no meio da ponte.
5° lugar: O Pacto (Horns – EUA)
Primeira adaptação de um livro de Joe Hill, O Pacto não é um
filme excelente, caindo nos velhos problemas de adaptações, mas tem uma ideia
original e sensacional. O filme narra a história de Ig Perrish, que vivia feliz
com a namorada, até ela ser morta e ele ser considerado o único suspeito. Determinado,
Ig fará de tudo para saber quem é o verdadeiro assassino, até mesmo usar seu
belo par de chifres que nasceu DO NADA em sua cabeça após, revoltado, mijar
numa santa, lhe dando incríveis poderes de persuasão e controle. Na verdade os
chifres são capazes de fazer com que pessoa fale a verdade e é daí que vem os
melhores atos do filme, ao mesmo tempo que pensamos: “Jesus, não existe ninguém
que não seja desprezível nessa cidade?”. Eu não sei se ia querer aqueles
chifres. Ainda assim, o diretor não soube usar a temática ao seu favor,
transformando o filme inteiro em uma investigação no começo confusa, depois previsível
e com soluções fáceis. Ainda assim foi a melhor atuação do Daniel Radcliffe.
4° lugar: Garotos (Jongens – Holanda)
Quando me perguntaram por que eu achei o brasileiro Hoje Eu
Quero Voltar Sozinho mais ou menos, a resposta é Jongens. Não gosto de criticar
tendo que comparar, mas seguindo a temática da autodescoberta, a verdade é que
o holandês é muito mais cativante que o brazuca. Temos a história de Sieger, um
garoto de 15 anos que descobre o amor durante os intensos treinos de atletismo.
Ele entra para o time de corrida, quando conhece o intrigante e imprevisível
Marc. A amizade que se desenvolve não parece nada fora do comum, mas Sieger
secretamente tem sentimentos mais fortes para Marc. Ele se envolve numa luta
solitária, quando descobre que Marc também é apaixonado por ele e a rejeição
aos próprios sentimentos aos poucos precisa ser superada (aliás, o Marc sabe
muito bem o que quer e acaba levando a pior por se apaixonar por um Sieger
confuso, mas ainda assim segue determinado). É só isso mesmo, simples, mas
muito tocante, principalmente pela atuação bastante intensa dos garotos em si.
O filme não se passa na cidade grande, mas sim no campo, o que gera um
diferencial pelas belas paisagens e takes envolventes, ao mesmo tempo que
sabemos que a diversidade sexual é uma coisa que nunca funciona muito bem fora
dos grandes centros.
3° lugar: Vidas ao Vento (Kaze Tachinu – Japão)
É difícil imaginar que o mestre da magia
e fantasia japonesa, Hayao
Miyazaki, que produziu A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado,
tenha feito Vidas ao Vento, que mesmo sendo uma animação é um filme
absurdamente adulto, romântico, mas acima de tudo, poético. Aqui temos a cinebiografia
de Jiro Horikoshi, o designer que criou o famoso avião de combate japonês
Mitsubishi A6M Zero, um dos mais mortíferos usados na Segunda Guerra Mundial, o
que devastou Pearl Habor. E não se engane, Jiro criou um monstro, mas ele não
era um monstro. Apaixonado pela aviação desde criança, ele foi responsável por
tirar o Japão de um atraso de 20 anos no setor, mas o filme não foca
essencialmente nisso, é sim uma fábula sobre superação, aceitação e acreditar
no amor pleno, quando ao conhecer a mulher de sua vida, Jiro vive o dilema de
que ela terá uma morte eminente. Tudo nesse filme é belíssimo e o resultado
final é o mesmo de qualquer filme de Hayao: arrebatador.
2° lugar: Romeos (Alemanha)
2° lugar: Romeos (Alemanha)
Poucos filmes foram capazes de abordar o transexualismo de
uma maneira tão leve e direta. A priori, é necessário entender que identidade
de gênero não é a mesma coisa que identidade sexual. E Romeos vai na ferida do
que é entender essa diferença. Lukas tem 20 anos e encontra-se na fase de
mudanças bioquimicamente induzidas do feminino para o masculino – Lukas é um
garoto trans –, mas os problemas começam quando no serviço cívico obrigatório
ele tem que ficar no alojamento das meninas. E isso o filme retrata bem: ser transexual
significa estar sempre preso no ambiente social errado. Para uma vida mais
confusa, Lukas é apresentado pela amiga Ine ao gay atrevido, valente e muito
atraente Fabio, por quem se apaixona. O filme tem apenas 94 minutos e é
recheado de pequenas pérolas ousadas, como ver Lukas masculinizado, mas ainda
com os seios fartos, ou quando ele ouve de Ine “Se era pra você se interessar
por um rapaz, não precisava virar um”. Romeos propõe um olhar invulgar sobre o
tema dos trans, e com humor e alguma ousadia procura quebrar convenções
estabelecidas sobre estes indivíduos.
1° lugar: Lesson
Of The Evil (Aku no kyôten – Japão)
Quando o assunto é filmes de chacinas, violência que só
parece gratuita e vingança, o Japão definitivamente está anos luz a frente do
resto do mundo. Lesson of the Evil é um desses exemplos simplesmente
sensacionais. Na trama, Hasumi é o professor mais popular da escola, faz
sucesso entre os alunos com sua maneira de lidar com as situações adversas,
conquistando a confiança inclusive da maioria do corpo docente. No desenrolar
da trama, vamos conhecendo a fundo Hasumi e suas reais intenções: a cada ato
nobre do professor, existe um interesse obscuro. Suas ações acabam por
despertar a desconfiança de um professor de física e alguns alunos, porém
Hasumi não hesitará em tirar do caminho quem ousar atrapalhar seu “plano”. É um
filme diabólico, que pega um psicopata como protagonista e o eleva ao máximo do
que pode ser “tirado” de um. E embora tenha um número gigantesco de
personagens, todos são muito bem aproveitados na medida do possível. Para quem
gosta de violência gráfica sem censura, o filme é um prato cheio. E os toques
de humor negro e ironia presentes na obra são pra encher os olhos de quem gosta
de contar esse tipo de situação. O ato final de Lesson Of The Evil, quando o
professor coloca seu real plano em prática é longo, sensacional e para os fãs
do gênero, não desperta o desejo por acabar. Na verdade o filme é poderoso por gerar
um sentimento dúbio: Esse não é um daqueles filmes de terror adolescente em que
queremos os jovens mortos pela falta de empatia, ao mesmo tempo que queremos
saber o que realmente vai acontecer alí e para isso é necessário que o plano se
concretize. O diretor, Takashi Miike, definitivamente está escrevendo seu nome
na história do cinema.