Ela parou com a mala. De frente para a porta, de costas para mim.
- Eu te amo, mas só amor nunca é o suficiente.
Ele sentava de frente para ela. De frente para a porta. Mas não olhava para nenhum dos dois. Olhava para o chão.
- Nunca é.
Ela colocou a mão na maçaneta, mas não a girou. Encostou a testa na porta.
Ficaria com a marca do olho mágico.
- O meu medo nunca foi ficar sozinha. O meu maior medo sempre foi o de amar e me tornar só por causa disso.
Ele começou a arrancar a cutícula do canto da unha. Um tique nervoso. Em breve estaria sangrando.
- O meu medo sempre foi o de ficar só.
- Eu sei. É por isso que eu estou te deixando.
- Quer que eu te valorize te perdendo?
- Não, eu quero que você só me valorize.
- Eu te amo muito.
- Não quero que você me ame muito, eu quero que você só me ame.
- Existe diferença?
- Se não existisse, eu não estaria partindo.
Ela tirou a testa da porta. Mas também largou a maçaneta. Começou a amarrar o
cabelo num rabo de cavalo.
Ele finalmente olhou para ela. Largou o dedo sangrando. Ajeitou os óculos sobre
o nariz que caiam. E suspirou alto.
- Acho que amor também é isso. É essa capacidade de poder fazer facilmente alguém sofrer. Você não me amaria, se eu não pudesse machucá-la.
- Exato! Você é minha maior força...
- E sua maior fraqueza.
Alguns segundos de silêncio. Ela deixa de encarar a porta e passa a encará-lo por trás das lentes.
- E eu sou capaz de lhe fazer sofrer?
- Se você passar por essa porta sim.
Ela abre a porta. Pega a mala pela alça. Dá cinco passos em direção ao corredor. Larga a mala e vira para ele.
- E agora?
- Meu coração está dilacerado.
Ela segura novamente a mala. Volta para o apartamento. Tranca a porta. Vem em sua direção e o beija na testa.
- Então eu já posso voltar.