quarta-feira, 24 de março de 2010

Um conto de inverdades

Éramos três grandes amigos. Desde crianças, jovens e agora naquela fase que nunca sabíamos o que realmente éramos ou simplesmente tínhamos medo de admitir o que somos. Sim, pois durante uma grande fase da vida, que só mais tarde perceberemos que foi pequena, nunca sabemos dizer se somos jovens, adultos, se não queremos ser um ou não querermos ser os outros. Enfim, éramos três grandes amigos e no final, isso é o que realmente conta.

E como grandes amigos, estávamos exatamente naquela fase em que grandes amigos não parecem ser tão grandes assim. A última vez que saímos juntos foi há seis meses e eu realmente não tinha muita idéia do que todos estavam fazendo naquele momento. Até o dia que F me liga, e primeiro eu fico surpreso, depois eu fico nervoso. F não tem o costume de me ligar, se assim o fez, era por um motivo drástico. E assim ouvi sua voz do outro lado da linha.

S está com problemas. Aliás, ele está com vários problemas, mas o principal, que resulta nos outros é só um. Ele e B acabaram.”

Pronto, ai estava o motivo drástico.

“Deus, como assim?”

“Sei lá, K. Ciúmes, desgaste, alguma coisa assim. Mas já era, acabou. Só sei que nós iremos sair hoje. Porque ele precisa de nós e vamos tirá-lo dessa fossa.”

E eu desligo confirmando e confuso. S e B eram inseparáveis, se amavam, se idolatravam, se cuidavam. Eram um tipo de exemplo que todos ou 1)se inspiravam para ter um igual, ou 2)invejavam porque nunca teriam um igual. Mas tudo nasce, cresce, morre. Já F não. Era um inveterado boêmio, de noites descontroladas e dias cobertos com cortinas para que pudesse dormir. E no entre os dois, lá estava eu, como um meio termo, num triângulo amoroso em que nenhum era realmente parecido com nenhum.

A noite, F me pegou em casa, eu o cumprimentei e fomos até a casa de S pegá-lo para sair. Ele estava péssimo. Primeiro fizemos a linha “nada está acontecendo”, tudo esta lindo. Mas não demorou muito e F já foi puxando nomes que ele mesmo dissera que não iria pronunciar. Fazia discursos de como S estava preso demais a essa vida de casado, sem ser, de como era jovem ainda, sem ser tão jovem assim, tinha que curtir, beber, jogar, fuder.

E S só balançava a cabeça, e eu só balançava a cabeça se ele balançava.

Vamos para um bar. Bebemos, bebemos e bebemos mais um pouco. E depois caímos na balada. Então percebo que não sou mais um garotinho se descobrindo, que aquilo não é mais pra mim, que eu não deveria mais fazer parte desse mundo. Mas quem se importa? E eu bebo mais, e beijo, e falo o que nem me lembrarei, e beijo mais, já falei que bebi muito?

S começa a se soltar também, tímido no começo, ficando mais leve pro meio, bem soltinho no final. Nem parecia um fudido que acabara um relacionamento de 5 anos, que no nosso mundo queria dizer praticamente cinco décadas. E beija, e se diverte, sempre incentivado por F, seu mentor, seu guia.

F não tinha jeito. Era um caçador, um devorador de pecados, sem nenhuma culpa assimilava para si o que havia de mais luxuria. E ali eu tenho dois extremos se tornando um só. Como se S agora fosse um discípulo de F. Um discípulo da sacanagem, putaria, bebedeira e promiscuidade.

Porém, ali estão os olhos vazios de ambos. S, por estar perdido, tentando se encontrar perante o desmoronar do seu mundo junto a outrem que tanto ainda ama. E F, perdido num labirinto criado por si próprio do qual não conseguia sair, só andar em círculos.

Já amanhecia quando finalmente deixamos S em casa. Que meio bêbado, meio choroso, nos abraçou como uma criança abraça seus pais na hora de uma despedida.

“Obrigado por me salvarem, vocês são os melhores amigos que uma pessoa pode ter.”

F diz.

“Não sofra, pois serão assim as próximas noites da sua vida. Grandes, longas, intensas e vívidas.”

E eu só beijo ambos e concordo. Mas é quando S entra dentro de casa e eu vejo sua silhueta triste fechando a porta, que eu percebo que nada daquilo era verdade, que eu nunca deveria ter concordado com as palavras de F, que eu deveria ter me virado para S e falado.

“Grandes e longas, sim. Intensas e vívivas, nunca. Ela vai lhe causar dor e sofrimento num momento próximo. Nunca adiantará ter se deitado com milhares, se você não tem nada para compartilhar com apenas um. Durma, acorde, tome um bom banho, e vá atrás de B. Porque quando você está ao lado do seu amor, você não precisa de mais nada. Então se for pra se desgastar ao máximo por isso, se desgaste. Procure acima de tudo se encontrar, mesmo que não seja junto daquele que ama, mas acima de tudo, de si mesmo. Porque essa sim, é a opção que eu queria pra mim.”