Eu tenho um relacionamento particularmente estranho com livros sobre rituais de passagem emocionais e físicos. E quando eu digo estranho, é como se nós nos encontrássemos em um beco escuro de madrugada, para fumar crack. Então daí você tira o nível da coisa. Talvez pelo fato, principalmente, de que esse tipo de literatura é bem raro de encontrar no Brasil, e o máximo que você encontra em destaque sejam os livretos da série Gossip Girl ao lado do Diário de Um Banana, o que também demonstra a visível falta de non sense dos editores brasileiros.
Aliás, o problema está principalmente nos escritores brasileiros. Quantos vocês conhecem que se dedicam a falar de rituais de passagem? Poucos. E rituais de passagem na juventude? Quase zero. E quando isso raramente acontece, somos presenteados com grandes porcarias que viram marco de uma geração, como o desprezível O Terceiro Travesseiro (que deve virar filme em breve). Eu já estava quase desistindo da literatura nacional nesse quesito, quando encontrei um ser que me fez repensar na esperança desse tipo de trabalho: Santiago Nazarian, e um livro particularmente em especial, O Prédio, o Tédio, e o Menino Cego.
7 garotos vivem num prédio inclinado. 7 meninos, completamente diferentes um do outro e amigos. Temos o Andrógino, o Gordo, o Negro, o Junkie, o Atleta, o Mestiço e o Narciso Vesgo. E numa trama metafórica e onde os detalhes são que fazem desse livro um grande livro, somos apresentados a uma visão única e fascinante da passagem da infância para a adolescência. Onde a representação desse momento se dá, na verdade, durante o assassinato de cada um desses garotos por uma professora serial killer.
Afinal, é nos nossos rituais de passagem que mais nos sentimos incompreendidos, deslocados, sem um lugar que nos acolha. Nos sentimos revoltados, idiotas, únicos, iguais. É de um momento de transição de uma fase da vida para outra que surgem medos, incertezas, e seu futuro se baseia fortemente no resultado final de tudo isso. É como se fosse um vestibular, se você faz as escolhas certas, segue bem, se faz as escolhas erradas, se dá muito mal. E o mais interessante de tudo, nós sempre entendemos só o NOSSO momento de transição, dificilmente os dos OUTROS. Olhar de fora uma fase de transição é menosprezá-la, como um pai ausente que não suporta ver o filho chegar à complicada fase da adolescência.
O livro tem umas particularidades interessantes, principalmente se você já conhece o autor e leu outros livros dele como A Morte Sem Nome ou Mastigando Humanos (esse último também muito bom). Nazarian faz duras críticas ao sistema de ensino e ao modo como a literatura é tratada no Brasil. Tudo isso com uma pitada de ironia e acidez um tanto exagerada para os padrões conhecidos. Mas é no desenvolvimento de seus personagens, perante uma cidade imaginária onde alguns bairros são tomados por zumbis e o mar congela e recua, que mais fascina. Porque por um momento, todos fomos crianças, e é no retrato de seus personagens que lembramos desse momento em que deixamos, principalmente, de ser uma.
Ok, o livro não é perfeito. Se alonga um tanto sobre o fascínio do próprio autor sobre a assassina/professora Regina e tem seus últimos parágrafos iguais aos outros livros dele, broxante após um ápice extraordinário seguido da inesquecível frase: “Como é difícil matar com estilo”. Mas vale muito a pena, além de nos levantar um questionamento: “É possível entender a juventude, sem ser jovem?”. Essa é uma questão que nem mesmo Santiago Nazarian pode responder, então vamos procurar um pouco lá fora.
Aos 16 anos eu me encantei pela crítica de um livro (negativa, diga-se de passagem) publicada na Revista Época. Pela imensa dificuldade de achar os livros que eu sempre me interesso aqui pelo estado eu só consegui comprá-lo aos 17, pela internet. E após lê-lo DUAS vezes, ele se tornou o meu livro favorito, Hell Paris – 75016, de Lolita Pille. Muito criticado e de pouco reconhecimento literário, trata de um tema que eu sempre achei pouco abordado em palavras, o vazio existencial da juventude moderna.
Hell causou uma mudança muito brusca no meu gosto literário. Eu passei a ter um fascínio pela literatura de vazio existencial, de decadência humana, de uma apresentação fria e crua das realidades do mundo e não de uma apresentação poética e superficial de situações que muitos de nós vivemos e não sabemos observar como realmente são. Pois ali há medos, de perdas, de incompreenções, da morte... sim, porque todos temos medo da morte, principalmente em nossos momentos de transição. Ninguém está preparado pra morte. E como disse Lolita, “se os ricos não são felizes, então a felicidade não existe”. E morrer sem ser feliz? Que medo, não?
Tenho uma paixão por livros que representam um retrato da juventude de seu tempo. Obviamente, esse tipo de literatura ficou bem marcante e ganhou um chute inicial com o clássico O Apanhador no Campo de Centeio, mas os melhores estão dos anos 80 pra cá. Bret Easton Ellis escreveu Abaixo de Zero, e que marcou sua carreira, tendo moldes parecido com o livro de Salingir. Aliás, Bret escreveu As Regras da Atração que como filme ganhou espaço na minha lista de favoritos, com uma interessante trama de decadentes jovens americanos universitários, sem caminhos para seguir e se entregando a futuros incertos e amedrontadores a um passo da “vida adulta”.
Pra não ficar só no campo da literatura quando o assunto é retratar a juventude, vamos agora pra Inglaterra, focar numa das melhores séries produzidas por lá sobre a juventude, Skins. A série já tem 4 temporadas fechadas e futuro relativamente incerto depois de um final razoavelmente ruim. Mas eu nem focarei a 3ª e 4ª temporada (boas, mas fracas) e sim a 1ª e 2ª, que realmente valem a pena.
Em resumo, Skins tem, no geral, uma curta temporada de no máximo 12 episódios. E nos primeiros 6 episódios, há sempre uma regra: chocar! É sempre assim em todas as temporadas,você leva uma porrada de jovens ingleses se afogando em drogas, bebida, festas e muita, muita droga e sexo. Parece fútil, mas (numa regra não oficial) a partir do 7º episódio, Skins mostra realmente à que veio, mostrar de forma “semi-metafórica”, que todo adolescente é um coração tentando se encontrar. E é numa trama extremamente rica, que se você é jovem, se identifica, se não é mais, se lembra. E o grande feito de Skins é esse, nos lembrar que estamos eternamente procurando um objetivo perante a sociedade: nos encaixar!