terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Homenagem é na verdade a desculpa que você usa para ganhar algum lucro sobre algo que já esta consagrado

Pra vocês terem uma ideia, o último filme que eu assisti no cinema foi aquele A Filha do Mal. E eu fico muito feliz que minha mãe tenha pago o ingresso e meu sanduiche no Subway pelo simples fato de querer minha companhia. Sim, eu sou desses que se vende, to quase colocando uma placa nesse blog de: “Vendo opiniões. Preço barato!”, mas esse não é o objetivo desse texto. Enfim, fiquei feliz de não ter tido gastos porque eu odeio ter que gastar dinheiro com algo que eu já sei que não vou gostar e eu acertei em cheio. Mais um filme de exorcismo, mas um filme falso documentário, mais um filme ficcional que tenta vender a imagem de que é real. Enfim, ruim de doer.

Encaremos os fatos: criatividade é algo que anda em baixa hoje em dia quando o assunto é alguns dos elementos da cultura pop. Eu mesmo quase não vou mais ao cinema. Tem sido difícil acompanhar as superproduções tipo blockbuster porque a grande maioria virou uma sopa de mais do mesmo. De fato, a experimentação anda em baixa e o que faz sucesso ou já é algo pré-consagrado (os filmes mais aguardados de 2012 são Os Vingadores, o novo Batman e O Hobbit) ou algo que pega carona no sucesso, tanto faz se com a desculpa de homenagem, paródia ou plágio descarado (existe a produção de um filme bem idiota chamado Poder Sem Limites sobre adolescentes que ganham super poderes e que vão de heróis a bandidos em pouco tempo. Um beijo pra X-men).

E sabe o que mais surpreende hoje em dia? A audácia esta em um lugar que só vem a crescer depois de uma razoável queda: a TV.

A TV precisou se reinventar tanto, que hoje é a melhor produção de conteúdo audiovisual pop da atualidade. E não, nem a internet tem chegado perto do que a TV tem produzido, apenas pirateia seu conteúdo. Supere isso, o congresso americano superou. Ah, e pelo amor de Deus, se você desconfiou que eu to falando da TV brasileira, toma vergonha na cara. Obviamente eu estou falando das séries das TVs americanas e inglesas. Tem muita coisa boa no ar, novidades, mas hoje eu quero falar apenas especificamente de um ponto, de uma homenagem, a um dos personagens mais incríveis da literatura e que existe há mais de um século: Sherlock Holmes.

O personagem criado pelo médico e escritor Sir Arthur Conan Doyle é famoso mundialmente por ser apenas um grande investigador. Mas é sua personalidade aquilo que sempre mais me atraiu em sua concepção: arrogante, prepotente, frio, insensível e absurdamente genial, o que lhe transforma num alguém fascinante e irritante. E encaremos os fatos, nunca uma obra fora do seu próprio universo literário retratou Sherlock em sua exatidão (ate a famosa frase “Elementar, meu caro Watson”, nunca foi citada em um único livro, ela foi criada no teatro). Porém, um dia, a BBC resolveu produzir uma série para o personagem chamada Sherlock, com um diferencial que era o grande risco de tudo, trazer seus casos para o mundo contemporâneo. E quer saber o mais incrível? Deu certo como ninguém imaginou que iria dar.

A primeira temporada de Sherlock foi exibida pela BBC em julho de 2010, com apenas três episódios de 1h30 cada um. Monstruosamente, a segunda temporada só foi exibida em janeiro de 2012, longos 18 meses de espera. Pessoalmente, foi uma tortura esperar tanto. A superprodução britânica traz Benedict Cumberbatch no papel de um Sherlock tão bem personificado que ficamos entregues a atuação. Mas é a adaptação para os dias contemporâneos das história que mais nos surpreende, principalmente em seus detalhes. Dr. Watson como médico de guerra vindo do Afeganistão: confere. O irmão genial que trabalha para o Ministério da Defesa: confere. A rua, a casa e a locatária: confere. James Moriarty, consultor criminal e terrorista, o primeiro super vilão da literatura ocidental: confere.

Tudo é rondondinho em Sherlock, a trama, as revelações, as ligações, as amarras. Ate as piadas são boas, em particular as que fazem referência a Sherlock e Watson como casal gay. O cinismo do personagem esta sempre claro e chegar a irritar o telespectador. O gimmick envolvendo SMS é bem original, aliás, a paixão pela telefonia móvel é bem nítida pelo personagem. Os momentos forçados, e eles existem aos montes, são compensados pelas maestrias do roteiro e a dinâmica que nos faz precisar usar muita atenção para acompanhar tudo. Nunca considerei nenhuma série perfeita, mas Sherlock beira isso, a melhor já feita para a TV em minha opinião. Vem, deixa sua marca e vai embora, causando uma sede por mais que quase sufoca. A terceira temporada esta confirmada.


Em seus poucos seis episódios, dois são os que mais se destacam: A Scandal in Belgravia e The Reichenbach Fall, que respectivamente falam do caso de Sherlock envolvendo a única mulher que derrotou o detetive, a sensacional Irene Adler, interpretada com louvor por Laura Pulver, e o seguinte sobre o Desafio Final, proposto por Moriarty, que na série foi transformado num antagonista caricato, a versão maligna do próprio Sherlock, tão inteligente quanto doente mental. O final é marcante, pois assim como na literatura, o maior feito de Moriarty não é ser genial, maquiavélico e monstruoso, mas sim usar tudo isso para fazer de Sherlock um patinho e simplesmente superá-lo, a verdadeira queda.

Sherlock nunca foi tão bem homenageado como pela BBC. O mesmo não se pode dizer dos filmes...

O simples fato de Guy Ritchie querer transformar Sherlock Holmes em um super herói de ação que usa pancadaria praticamente o tempo inteiro fez seus dois filmes baseados no personagem darem errado e não foi pouco. O filme é bem mala, feito para divertir, e não usa muito daquilo que é o real potencial do personagem. Aliás, esse Sherlock tenta ser ate cativante e o Watson em questão é menos “passivo” do que o da literatura, já perdeu meu respeito aí. Mero entretenimento para se ganhar dinheiro na bilheteria, não uma homenagem.

Vale lembrar que até o Jô Soares tentou se dar bem com o detetive mais famoso do mundo e escreveu o livro, O Xangô de Baker Street, que é ruim de doer. Seria bom se fosse qualquer outro detetive, mas se apropriar da imagem de Sherlock sem realmente usar essa imagem não deu certo. Completamente surreal essa ideia da vinda de Sherlock e Watson para o Brasil na época do império para resolver um caso e enfrentar grandes inimigos: feijoadas, caipirinhas, vatapás, pais de santo e o poder de sedução das mulatas locais.

Quer um filme maravilhoso de Sherlock Holmes? Assista, O Enigma da Pirâmide que tem todos os ingredientes de uma aventura despretensiosa, divertida e inteligente para o público jovem, diferente das bostas produzidas pra juventudes hoje em dia (e olha que Crepúsculo deixou de ser alvo do meu ódio para mirar em Jogos Vorazes). O filme, uma fantasia que deu certo, mostra como o detetive Sherlock Holmes e o fiel escudeiro Watson teriam se conhecido no colégio interno, quando ambos eram estudantes (coisas que NÃO existe na literatura). Já no primeiro encontro entre eles temos a cena de Holmes dando uma amostra vívida do seu famoso raciocínio lógico, descobrindo não apenas o nome do novo colega de classe, mas também a origem do rapaz, a profissão do pai dele e até os gostos culinários. Uma trama de mistério muito bacana e ambientada belamente na Londres vitoriana com o selo Steven Spielberg de qualidade.


É interessante ver como um personagem de 150 anos ainda mexe tanto com o imaginário popular. Os livros e contos podem parecer um pouco defasados se vistos pela lógica dos dias atuais, mas a capacidade de dedução de Sherlock sempre foi apaixonante e contaminou o mundo, resultando num momento máximo de homenagens, mesmo que algumas sejam simplesmente oportunismo barato... que gera uma boa grana em bilheterias, mas barato do mesmo jeito.