terça-feira, 6 de abril de 2010

Só porque você é bom numa coisa, não significa (necessariamente) que você será bom em outra

Multi-talento. Ou você tem ou você não tem. E acredite quando eu falar isso, vai doer, você pode não gostar, você possivelmente irá até parar de ler esse texto, mas, você dificilmente tem isso. Afinal, existe genialidade ou esforço? Eu acredito acima de tudo no esforço. Mas ai de vez em quando aparecem uns filhos da puta que quebram essa imagem (confortante) que a gente tenta manter pra si mesmo de que não existe genialidade. Tipo Albert Einstein para a física, Chris Garneau para o piano, Coco Chanel para a moda, Faustão para programas de auditório (oi, ironia nessa última tá?)...

Enfim. Existem sim pessoas que representam a raríssima diferença entre o esforço e a genialidade. E existem sim as pessoas que de tão esforçadas, parecem gênios, mas que no fim a gente descobre que são na verdade apenas muito esforçados. E um desses “alguéns” é Tim Burton.

Resumindo tudo o que irei falar em breve: Alice no País das Maravilhas, última obra de Tim Burton, é uma droga! Talvez esse seja o pior filme do diretor nos últimos dez anos, superando bastante A Fantástica Fábrica de Chocolates (que não é ruim, nem de longe, só não é exatamente... bom). Alice como filme não peca pelo fato de ser um filme ruim, quem peca é Tim Burton. Por quê? Simples, porque Tim Burton não é Lewis Carroll.

Alice no País das Maravilhas deve ser (junto com Peter Pan), uma das melhores estórias infantis do mundo ocidental. Carregada de uma fantasia nunca antes imaginada, de uma surrealidade grostesca, intimista e até mesmo, estranhamente intimidadora. Sim, pois em tempos de “falso moralismo” e do politicamente correto que proíbe ate uma criança de ser vilã numa novela FICCIONAL sobre argumentos tolos (no Brasil, Poltergeist nunca poderia ser filmado), Alice (o livro) possui flores preconceituosas, uma rainha assassina, um chapeleiro louco, mas louco mesmo, do tipo que não sabemos prever as atitudes, jogos e enigmas matemáticos e uma lagarta que fuma.

E ainda assim, é uma obra primorosa, uma viagem de fantasia com elementos reais, fantasiosos e a mistura absurda que eles conseguiram gerar. Acima de tudo, Alice é uma representação da passagem da infância pela juventude, que assim como toda fase de transição, é marcada por perdas e ganhos.

E o mais bizarro de tudo? Lewis Carroll era um matemático, que escrevia estórias infantis e enigmas para crianças no tempo livre. Gênio? (As acusações de pedófilo contam?)

E por que o filme é ruim? Obviamente, seu roteiro é seu gigantesco defeito. A começar pela tentativa frustrada de se criar uma continuação do livro. Sim, porque agora Alice tem 17 anos, está prestes a se casar, não quer, foge e acaba caindo novamente no País das Maravilhas, dominado então pela Rainha Vermelha. Tenta ser um novo ritual de passagem, da juventude para a vida adulta dessa vez, mas sem a mesma fórmula (sem trocadilhos) criada por Carroll.

Personagens novos são acrescentados, o braço direito da Rainha Vermelha, a Rainha Branca (?) e um dragão (????). Até imagino os produtores da Disney: “Isso, claro, tem que ter um dragão, vai ficar ótimo, Carroll foi um burro por não colocar um dragão no livro.” Mas claro, o pecado maior é a mudança do estilo dos personagens. Concordo o tempo todo com a Lagarta Azul: “Você não é A é Alice”. E vou além, o Gato não é o Gato e Chapeleiro Louco não é o Chapeleiro Louco, que independente da fantástica caracterização e atuação de Jhonny Depp, foi transformado num personagem tímido, emocional e estampando sofrimento no rosto do começo ao fim.

O melhor personagem é a Rainha Vermelha, o que (talvez) vale a pena. Seu momento com o porco é hilário, sua cabeça mais hilária ainda. Quanto menos personagens ao redor dela, melhor a cena, o que infelizmente acontece pouco. Mas ainda não o suficiente para deixar fora do óbvio a fraca trilha sonora (outro grande pecado) e ritmo fraco, além dos clichês e reviravoltas sem muitas surpresas.

É Tim Burton, você não é um gênio, é um esforçado, e da próxima vez, se esforce mais.

Agora, Tom Ford... Como eu classifico você?

Lembro de Ford sempre por dois motivos, a revitalização a frente da Gucci por dez anos, e a entrevista histórica que ele deu pra revista Out. O cara é um ícone. O cara é foda. Aí ele resolve fazer um filme e eu penso: “Vai dar merda!”. Felizmente, eu estava completamente errado.

Direito de Amar (tradução mais ridícula impossível de A Single Man) é de um primor como poucos filmes são capazes de ser, obviamente, um show (ou luxo?) na parte estética (porra, o filme é do Tom Ford), mas não é um filme que gera frases do tipo “ah, tinha uma fotografia perfeita”, Direito de Amar é sim, um conjunto de obra magnífico.

O filme é puramente imagem. Por momentos, os diálogos se tornam quase desnecessários, mas ao abrir da boca dos personagens, ele se mostram complementares. Os closes, a angulação sempre ideal. Cinema como se fazia antigamente, não essa avacalhação de milhares de cortes e ângulos “ousados”, que na verdade são uma onda desfocada e tremida (tenho nojo de Colateral, aquele com o Tom Cruise, até hoje). E a trilha sonora deliciosa, ocupa lugar de destaque no meu iTunes e duvido que sairá de lá tão cedo, com um carinho especial nas composições de Abel Korzeniowski.

No roteiro despretensioso, o filme é baseado em um romance semiautobiográfico de Christopher Isherwood, polêmico ao ser lançado em 1964. A sinopse percorre um dia de um professor universitário, homossexual, que passa todo o tempo digerindo a morte do companheiro, com quem viveu por 16 anos. É um dia bem longo (pro professor, pra gente é curto), num transbordamento de dores e emoções, em uma narrativa não linear, cheia de flahsbacks, que não importa se o personagem de Colin Firth (atuação brilhante, digna de Oscar) é homossexual, isso é o menos importante, pois o sentimento é universal, e o modo como ele é transmitido além da tela é exato perante essa premissa.

Tudo sempre cercado pela estética de Ford. Em cada detalhe, em cada centímetro de tecido, na escolha da armação do óculos (um detalhe absurdo que faz toda a diferença), na curiosa escolha do nó windsor para a gravata. Ford, acho que é cedo para lhe chamar de gênio, faça mais alguns filmes, por favor.

E eu sei que eu deveria parar por aqui, mas de fato, esse texto não está mais focado em cinema, mas sim em EsforçoXGenialidade.

Tive o prazer de percorrer a mostra Andy Warhol, Mr. America. Foram quase 1h de fila, sol na cara, e ainda ter perdido tempo no prédio errado. Mas ver o trabalho do homem que marcou os anos 60 e foi capaz de democratizar o consumo e ser um dos precursores da massificação da cultura pop valeu muito a pena. Quem estiver em São Paulo DEVE ver essa exposição não importa a profissão, o interesse. O motivo é simples: 1) você vai se ver lá, porque o seu modo de pensar e agir, aliás, o de toda a nossa sociedade, foi em parte formado por esse artista; e 2) os questionamentos de sua arte estão ai até hoje.

Sim, porque olhar as ob ras de Warhol e não se questionar é não sacar parte daquilo que você é. Não é a toa que vem dele a citação: “Ela me perguntou o que eu mais amava. Foi então que eu comecei a pintar dinheiro”. Então, se existem gênios ou não, isso talvez ainda seja uma incógnita, mas a lição que eu tirei dessa exposição é que se eles deixam uma marca, sem dúvida ela é justamente a de nos fazer sempre nos questionar com suas obras, não importa quanto tempo de sua origem tenha passado.