segunda-feira, 11 de maio de 2009

Entre o começo e o fim existe o meio

A minha veia pra cinema-arte havia dado um tempo. Aliás, isso foi preocupante. Eu tentei ligar pra minha consciência, mas ela não mandou recados, email, bip, sinal de fumaça, muito menos tweets ou direct messages pelo Twitter. Por conseqüência, durante um longo período eu só assisti mega produções e blackbusters. Daí que eu fui assistir X-men Origens: Wolverine quando de repente eu finalmente acordo pra vida. “Que porra eu tô fazendo aqui?”. Ok, o filme é ruim e não é pouco, contribuindo para esse surto momentâneo. Foi um relacionamento de altos e baixos, vivemos momentos felizes juntos, o sexo era até bom, mas em se tratando do meu romance com o cinema exclusivamente comercial, foi hora de eu dizer que fui comprar cigarros e não voltar tão cedo.

Essa semana foi finalmente lançado o trailer de Do começo ao fim. Eu não posso nem dizer que o filme era aguardado, porque não era, ele pegou todo mundo de surpresa. Eu já havia lido algumas coisas pequenas com relação a escolha do elenco, mas não havia dado moral pra produção, mesmo porque o filme 1) é nacional (e não me condenem agora, nós ainda vamos discutir isso aqui) e 2) tem o Fábio Assunção (e isso não vai ser discutível).


Do começo ao fim é visivelmente um filme "diferente", primeiro por tratar de um dos últimos tabus da humanidade, o incesto, segundo, por ir além desse tabu e tranformá-lo num incesto homossexual. O longo trailer é cheio de cenas bem impactantes. O momento em que os dois irmãos estão juntos na cama e confessam que amam um ao outro soa pesado, eles são irmãos, aquilo é... errado (ou não?). Ainda assim, as imagens causam um grande fascínio e apresentam uma trama complexa, que se segura e que tem Julia Lemmertz em visível performace sublime.

É cedo pra falar de Do começo ao fim? É! O filme vai ser lançado esse ano ainda, mas sem data definida. Mas o burburinho virtual que o filme anda causando já é estrondoso. Até trailer com legendas em inglês o filme já tem. Mas uma coisa é certa, o filme por si só já sai da linha nacional comum, aliás, pelo trailer, se não fosse falado em português, qualquer um faria a afirmação de que esse não é um filme nacional. De fato, o cinema-arte (também chamado de cinema alternativo, embora eu não goste desse conceito) existe no Brasil ou de uma forma contida, ou não existe. Daí minha curiosidade gigantesca sobre Do começo ao fim, esse filme será um divisor de águas na produção audiovisual nacional?

Os mais descolados vão me contestar muito, dizer que o cinema nacional evoluiu bastante e existem muitas produções fora de circuito interessantes. Ao meu ver estão certos em parte. O cinema nacional avançou sim, mas uma coisa eu ainda não vejo no nosso cinema, uma linguagem inovadora, própria, particular e simplesmente irresistível e desafiadora. A Argentina está mais avançada que o Brasil nesse quesito. E até mesmo os mais antenados não podem discordar da imensa superioridade israelense na arte cinematográfico. As obras mais próximas do cinema-arte no Brasil são justamente aquelas que bebem de outras identidades.

Eu por exemplo fui ironicamente chamado de moderninho por não ter me chocado com o tema do incesto homossexual em Do Começo ao fim. De fato, o incesto na sua concepção cinematográfica não me atiça tanto desde que ele me foi apresentado em Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci. Eu vivi um caso de amor magnífico com esse filme, de longe um dos meus favoritos em toda história. A saga dos irmãos gêmeos Theo (Louis Garrel em seu mais marcante papel até hoje) e Isabelle (Eva Green em seu estado mais bruto), que conhecem o perdido Matthew e vivem juntos um triângulo inenarrável, num apartamento em Paris durante a revolução de 68, é fascinante como poucas.

Os Sonhadores é querendo ou não uma sublime obra de homenagem ao cinema, a musica, a literatura e a arte. Um filme que conquista, excita, faz com que você deseje fazer parte daquele grupo, mergulhar em filmes antigos, livros clássicos, musicas em vitrola ou numa Vênus de Milo em carne e osso. Além disso, é intrigante e atraente a relação incestuosa entre os irmãos, nunca mostrada de forma óbvia ou clara, sempre apenas sugerida. Não importa se Matthew conquista Isabelle, pois a relação dela com Théo estará sempre acima desse romance.

Ah, eu lembro de Os Sonhadores e suspiro alto sempre.

Com relação ao tema homossexualismo, esse não é de modo algum mais um tabu cinematográfico. Aliás, não se faz mais cinema-arte descente sem uma dose mínima de homossexualidade nos dias de hoje, podem reparar. Algumas pessoas podem dizer que o homossexualismo é polêmico nas telas de cinema, mas na minha opinião não é mais. Os EUA vive isso abertamente na sua televisão por exemplo, e no Brasil toda novela das 8 tem que ter casal gay sem beijo na boca pra chamar a atenção. Aliás, curtas metragens nacionais tendo gays e travestis foram grandes destaques em 2008. Mas você soube disso? Duvido! Ta aí, achando que Do começo ao fim é a primeira obra gay cinematográfica do Brasil.

Um exemplo dos curtas é Café com Leite. Uma tocante obra de um casal de jovens rapazes que começavam a planejar uma vida mais juntos quando de repente a família de um deles morre e ele se vê obrigado a cuidar do irmão mais novo, um obstáculo que não permitirá que os planos do casal se concretize. Tem também , obra de Felipe Sholl que levou nada mais nada menos que o Teddy Bear no Festival de Berlim em 2008, uma obra definida pelo próprio diretor como “sórdida e fofinha”. Já Sapatos de Aristeu é um curta pesado e ao mesmo tempo sensibilizante , que mostra um grupo de travestis preparando o corpo de uma amiga para o enterro. Cadê que algum desses filmes explodiu?

Com relação aos longas com tema homossexual abertament, o Brasil ainda não tem nenhum de peso realmente. No mundo existem os clássicos modernos como o ótimo Milk, Filadélfia, A Lei do Desejo, Meninos não Choram, Café da Manhã em Plutão e meu favorito, C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor, que na verdade não se enquadra bem em temática gay, pois acima de tudo é um fantástico drama familiar, e que tem a melhor trilha sonora que um filme pode ter, com The Rolling Stones, David Bowie (em fase Ziggy Stardust) e Pink Floyd (e não estou falando de lados B dos singles mais obscuros: o filme escancara Space Oddity, Sympathy For The Devil e Shine On You Crazy Diamond).

Porém, dentre esses todos, o telefilme Orações para Bobby chamou bastante minha atenção. É um filme bem triste, e que vale bem mais a pena a partir de sua metade, quando o Bobby em si morre. Filho de uma mulher altamente católica, Bobby não foi só reprimido duramente, mas foi convencido pela sua mãe que a homossexualidade era um pecado forte e errado. Mesmo Bobby conseguindo se desapegar da família, não se desapegou da idéia da mãe e se matou. A partir desse momento, sua mãe (uma Sigourney Weaver assustadora), entrega-se a uma dor sem tamanho, e passa a se sentir a única responsável pela morte do filho. É doloroso demais o momento em que ela entra na igreja toda molhada e anuncia ao padre que foi ela quem matou o filho que mais amava. Orações para Bobby pode ser um simples telefilme, mas tem uma essência tão forte que indiscutivelmente o torna um ótimo filme a abordar o real questionamento de ser homossexual.

Voltando a Do começo ao fim, veremos o que o filme nos aguarda. Mas eu já começo a achar que toda essa repercussão não fará bem para sua crítica final. Em 24h o trailer alcançou a marca de 25mil visitas (impulsionado pela versão legendada em inglês no Made in Brazil), em 48h quase todos os portais de cultura e notícias LGBT do país tinham o trailer em seus destaques. O trailer de 4 minutos mostra visivelmente muita coisa, inclusive o possível clímax, a não ser que o filme tenha 2h30 de duração, o negócio já começou mal, lembrando que deve haver um segundo trailer antes do lançamento com mais cenas inéditas. E como eu estava apostando com um amigo paulista, “quer pagar quanto que um deles morre no final?”. Sinceramente, espero realmente estar bastante enganado.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A vida como ela é... sim, e daí?


Estruturas. É o que todos nós desejamos, independente desse desejo ser consciente ou não. Todos nós queremos estruturas. Todos nós queremos nosso pilar de sustentação. E de fato, só dão valor a isso as pessoas que não as tem.

Meu novo vício tem sido a série Brothers & Sisters. Uma ótima produção norte americana que hoje está em sua terceira temporada, mas que eu ainda estou finalizando a primeira. E eu já vou logo avisando que se você está esperando eu falar de uma série louca, toda cheia de confusões, vidas perturbadas ou mistérios, lamento, mas só tem uma palavra para eu definir Brothers & Sister: careta! A série não é só careta, ela é caretíssima, ao extremo. Talvez seja por isso que eu posso afirmar que adoro esse programa, porque o caretismo às vezes é o que nos traz mais conforto na vida.

Brothers & Sisters conta a história de uma família rica e cheia de valores próprios que tentam lidar com a perda do patriarca, a quebra financeira da empresa e a descoberta de mentiras do passado que nunca vieram a tona. São cinco irmãos, completamente diferentes um do outro, mas que se amam e tem um elo fortíssimo (cada um a sua maneira) com a mãe, uma mulher forte, porém, meio sequelada (de doida mesmo, não psiquiatricamente). A questão é que todos ali são seres humanos, cada um com suas vidas, com seus problemas pessoais, com suas famílias para criar, com seus corações para lidar, com suas felicidades, vitórias, princípios e medos.

A questão é que não importa o quanto eles tenham tudo isso, pois uma coisa eles sempre terão, a si mesmos. Esse é o grande segredo de Brothers & Sisters, o de sem nenhum artifício pitoresco (muito comum hoje nas séries americanas) mostrar de verdade como funciona o amor familiar.
Não é de hoje, que os valores familiares se tornaram indefiníveis. De fato, uma das grandes questões da nossa humanidade, é que cada geração que vem se distancia mais ainda da anterior. Pegue você mesmo como exemplo. Você vive num mundo que não é nem um pouco mais igual ao da sua mãe. Porém, a sua mãe viveu num mundo onde possivelmente ainda havia muitos dos valores do mundo da mãe dela.

E aí chegamos ao momento em que o prazer das pessoas mais mal amadas é dizer que “a família é uma instituição que está falindo”. O cu deles que está falindo. Lembro que quando eu era do colegial, a notícia do suicídio de um garoto chocou toda a escola. Porém, o relato de um dos meus professores foi o que mais me interessou. “No começo do velório havia muita gente, mas elas foram saindo, saindo, até que antes da meia noite só restava a família”, ele suspirou e voltou a falar, “não importa o que vocês jovens achem, o quanto considerem que seus amigos são os melhores do mundo e seus pais incompreensíveis, no fim, só restará a família”.

Eu conheço um numero infinito de pessoas que se distanciam de suas famílias, cujo diálogo não esta presente, cujos valores morais diferentes nunca entram em acordo. Por quê? Talvez porque hoje em dia, as pessoas tenham deixado de praticar uma coisa que é capaz de mudar vidas, a tolerância. Familiares brigam, se xingam, riem, choram, vivem... mas se não há tolerância, nada disso acontece. A família só é família, quando todos sabem se tolerar. E aí vocês podem dizer: “mas isso não existe na minha família”, ao que eu lhe pergunto: “você já tentou criar?”.

E como dizia Chaplin, numa frase que particularmente me incomoda: “amigos são a família que Deus nos permite escolher”. Me incomoda sim, mas só como uma coceirinha de leve. Talvez porque eu seja o melhor amigo da minha mãe e que por vezes nos esquecemos dos nossos laços sanguíneos, que quando crianças a minha avó e meu avô tenham sidos meus maiores pilares de sustentação e hoje me esforço pra ser um pilar de sustentação pra eles e que quando lembro da tia que me criou e me ensinou o gosto pela leitura, mas hoje mora longe, paro um momento e meus olhos lacrimejam. A família também são os amigos que Deus nos dá.

E é só quando eu acho que somos plenos desse valor que somos capazes de transmitir de verdade o que sentimos para outras pessoas. Para aqueles que também representam nossas estruturas, aqueles que batizamos com a palavra: amigo. A amizade é de longe uma das coisas mais fantásticas, intrigantes e misteriosas do universo. Pois é uma palavra super bobinha que explica como podemos nos relacionar com as pessoas mais fantásticas, intrigantes e misteriosas do universo.

Amigos vêm, amigos vão, existem aqueles que nós queremos que nunca nos deixem, mas nos deixam, existem aqueles que nos deixam, mas voltam, existem aqueles que nós deixamos, aqueles que ficam para sempre, aqueles que nos conhecem melhor que nós mesmos, aqueles que não nos conhecem, mas nós adoramos mesmo assim. Minha avó costumava dizer que existe uma grande diferença entre amigo e colega. Amigo é uma palavra muito forte, e que nós temos que saber exatamente o valor dela, para usá-la somente com as pessoas certas. Por isso eu meio que encho o peito e falo num tom mais grave ou simplesmente diferente quando me refiro a alguém como meu amigo.

Eu não acho que exatamente a gente escolhe nossos amigos. É um tipo de química, algo que liga no seu cérebro e no da outra pessoa e que vai deixar vocês unidos agora e vocês nem perceberão isso. Uma ligação que não se sabe onde está e que pode ser alimentada e destruída por ‘n’ fatores.

Se existe a série Brothers & Sisters, eu acho que uma melhor ainda seria Family & Friends. Porque de certo modo, por todos, nós compartilhamos um sentimento especial. Todos nós amamos e desejamos o melhor sempre que possível, pois essa é na verdade a grande coincidência entre amigos e familiares, o bem que nós desejamos um aos outros. Se você não compartilha disso, possivelmente é porque não tem fé, não só na família ou nos amigos, mas principalmente em si mesmo.

Se você conseguiu chegar até o fim desse texto já deve ter percebido que ele é totalmente diferente dos outros que eu escrevi, mas se eu o desapontei não vou me desculpar por isso. Essa na verdade é uma carta de amor que eu escrevo aos meus amigos e a minha família, aqueles que ajudam eu a ser quem eu sou, e que eu me esforço todos os dias para ajudá-los a continuar sendo aqueles que eu amo.